17.12.07

_ ... será que aquelas folhinhas nunca sentiram vontade de assistir ao espetáculo do inverno?


pensou olhar para trás e perceber que existem verões em sol e relacionamentos sem amor?

Vestígios de um verão sem sol.

Levantou-se da cama e foi abrir a janela. A luz intensa do sol do meio dia feriu seus sensíveis olhos claros, porém o ar fresco de um outono recém chegado lhe fez muito bem. O verão finalmente tinha chegado ao fim.

_ Essa é a hora que as folhas caem e músicas como essa não têm mais nenhum significado, não é?

Falava para si mesma, dando as costas agora para a janela e observando as paredes cor de palha da casa vazia. Ao fundo, o rádio tocava aquele CD. Ela suspirou longamente, onde estaria a caixa onde ele veio embrulhado? Provavelmente esquecida no fundo daqueles armários com cheiro de mofo. Estavam fechados desde o último verão que passaram ali. Esticou os braços para as portas, mas não sentiu verdadeira vontade de abri-las.

_ Deixa os mortos repousarem em suas silenciosas tumbas, Érica.

Voltou seus olhos entristecidos para o mundo do outro lado da janela. As árvores continuavam as mesmas e as folhas balançavam ao sabor da brisa fresca. Vez ou outra uma delas caia, aliviada, no chão de terra batida, e se juntava às outras companheiras de missão cumprida. Tinham feito a primavera e o verão e agora era hora de repousar e voltar de onde vieram. Pensava agora, as mãos apoiadas no parapeito da janela, será que aquelas folhinhas nunca sentiram vontade de assistir ao espetáculo do inverno? Talvez elas fossem espertas o suficiente para saber que todos têm sua hora de cair.

_ E será que é tão ruim assim?

O CD finalmente chegou ao fim. Ficou o silêncio pesado passeando pelos corredores, Érica quase podia senti-lo chegar mais perto. Não o queria. Se demorasse muito, logo conseguiria ouvir as confissões daquelas paredes e muito provavelmente seus pedidos.

_ Por que o deixei pintá-las dessa cor tão pavorosa?

Fechou os olhos e largou-se na cama. Ficou o mais quieta possível, imóvel. Mas não ouviu nada, sequer um sussurro entristecido. Abriu lentamente os olhos, tocou os lençóis com suas mãos suaves, as unhas recém feitas. Não, nem as paredes nem aquela cama queriam falar-lhe. Assim como as músicas naquele CD. Ou seu coração.

Então, tornou a fechar os olhos. Estava confusa, entristecida, aliviada, até uma vontade de rir lhe atormentava. Simplesmente não entendia o que estava acontecendo, não era pra ser assim.

_ Era para ser triste, Érica! Era para você estar com os olhos cheios de lágrimas, o coração pesado, a mente cheia de lembranças! _ Levantou o corpo e apontou para o armário, no seu monólogo entusiasmado, continuou _ Olha bem aquele armário! Está cheio das roupas dele, do perfume dele, a camisa que ganhou da madrinha, aquela que ele odiava e usava para cuidar do jardim, enquanto você, sua insensível, morria de rir dele, enquanto lia numa cadeira confortável! _ Sua respiração ia se alterando, as palavras cada vez mais rápidas saltavam de sua boca _ E essa cama! _ Suas unhas cravaram-se no lençol muito macio e seus olhos deslizando também por ele _ O que essa cama guarda! Tantas aventuras e prazeres, quantas palavras trocadas, até outro dia jogávamos baralho, você ganhou e ele, sem saída, apagou as luzes e te enlouqueceu! Érica, você... eu... _ Parou, os olhos lá fora, acompanhando uma folha que caia e lembrando que estava tão sozinha ali e discursava apaixonadamente tão somente para si _ Eu não sinto falta dessas coisas. De nenhuma delas.

Olhou em volta, tocou o travesseiro de fronha verde folha e o trouxe para perto. Queria abraçá-lo, mas seus braços não obedeceram. Uma carta de baralho caiu quando ela o devolveu ao lugar onde estava.

_ Ele roubou só pra eu ganhar. Para me ganhar.

Levantou-se da cama, foi até o rádio e colocou para tocar o CD de novo. Caminhando até o banheiro, cantou junto com a cantora que chorava um amor perdido. Sabia a letra de cor, mas aquelas palavras... que diziam? Não sentia falta dele as cantando para ela, entre uma partida de xadrez e outra. Aliás, ela ouviria aquela canção que agora soava até monótona, jogaria xadrez, apostaria uma noite de amor em um jogo de cartas e plantaria rosas que nunca nasciam, com qualquer outro homem e nada disso lhe apertaria o coração. No banheiro, encarou o espelho.

_ Vazio. É isso que estou sentindo.

É o que foi. Foi toda uma relação vazia. Agora entendia. Aquele silêncio desconfortante que os interrogava às vezes não era cansaço e estresse de um dia de trabalho duro. E aquela indisposição de sair de casa às vezes para um cinema não era simplesmente TPM.

_ Mas foram anos...

De conforto. De um amigo para acompanhá-la nas horas de solidão, de um amante para satisfazer seus desejos, até um ombro para chorar as insatisfações de um dia extremamente atarefado. Abrira mão do amor e de um coração batendo alucinadamente pelo conforto de um fim de semana agradável assistindo TV ou de um verão calmo naquela casa.

_ Verões sem sol.

Passou as mãos pelo rosto, cobrindo seus olhos. Como se sentia cansada! Dormira até tarde aquele dia, mas o cansaço era tanto!

_ Dormi todos esses anos... como fui tola! E...

Olhou-se atentamente, no fundo dos olhos. Vazios. Não eram como os dele.

_ Cruel.

Apagou as luzes do banheiro e saiu. Ele a amara tanto, dedicara-se tanto! E ela sequer conseguia sentir saudades deles juntos, nenhuma mágoa do fim! Suspirou, alguém sempre tem que sofrer, disseram-lhe uma vez.

_ E que não seja eu.

Recolheu a caixa com seus últimos pertences e decidiu deixar a janela aberta. Um pouco de ar fresco na casa daquele homem não faria nenhum mal. Lá fora, uma folhinha despencava do alto de um galho. Missão cumprida, o fim.


Próximo conto ... Fora de Estação.

Até

Ao som de: Morrissey - All the Lazy Dikes.



13.11.07

_ ... Eu a amava, mesmo quando a odiava um pouco.


Esse conto foi escrito para alguém muito especial.



Ebola.

Coloquei a chave na fechadura, a mala pousada ao meu lado. Estranhei ainda não ter ouvido sua voz atrás da porta. Ela sempre me esperava. Estava com saudade, sentindo até um aperto no coração. Queria vê-la, saber se está bem, como foi que passou a semana sem mim. Apostava que estaria morta de saudade também, ficaria muito feliz com minha volta. Talvez estivesse dormindo tranquilamente, por isso ainda não a ouvia. Abri a porta, escorreguei a mão até o interruptor. O apartamento vazio.

_ Reclamações! Sempre reclamações! Vê?
_ Ainda essa ironia! Olhe bem essa frase...
Olhei-a nos olhos, querendo censurá-la. Só me trazia problemas! Mas sequer senti vontade de gritar-lhe alguma coisa, descontar todo meu estresse nela. Era incapaz de responder-me, mas tinha certeza que se pudesse, diria:
_ Desculpa.

Trouxe a mala para dentro e fechei a porta. Cadê você, sem educação, não vem me dar oi? Andei um pouco, fiz um barulho para chamar atenção, mas nada. Simplesmente não estava. Olhei para o relógio na parede e depois pela janela. Que horário para sair, garota! E nesse frio... preocupei-me e mais uma vez senti aquele aperto no coração. Ela não estava lá para me receber. Mas bem que eu merecia aquilo, não é verdade?

_ Uma semana inteira?
_ É, tem que ser assim, não há outra forma. Já pensei em tudo...
Ela voltava naquele momento, chamando nossa atenção. Parecia feliz, aquele brilho nos olhos. Liberdade, ela gostava. Mas gostava da casa e de mim. Sempre senti um amor sincero vindo dela. Cada vez que me chamava com sua voz infantil, eu sentia. E sem querer, eu a amava intensamente, mesmo repreendendo-a todos os dias, às vezes nem ligando que ela estava lá. Mas eu a amava, mesmo quando a odiava um pouco. Seu jeito sereno e meigo por tantas vezes ou aqueles acessos de energia que eu simplesmente não podia entender e me irritavam. Era seu jeito, de sua forma tão peculiar e era encantador.

Deve voltar mais tarde, não vai ficar a essa hora passeando. Em breve estará aqui, vai ficar tão feliz em me ver de voltar, pensei. Abri o quarto, desfiz minha mala rapidamente. Tomei um banho demorado, a viagem tinha me deixado tão cansada! Bebi um chá, ainda com a toalha enrolada na cabeça, assistindo uma coisa qualquer na televisão, sem prestar nenhuma atenção. Meu pensamento estava nela, a preocupação começando a aparecer. Não podia pelo menos avisar? Ri-me, que tola! Olha como estava agindo... Voltará de madrugada, apostei. Chegaria muito silenciosa, comeria algo e deitaria na sua cama. Na manhã seguinte me acordaria e mataríamos a saudade. Provavelmente eu até brigaria um pouquinho com ela. O chá estava acabando. Olhei o fundo da xícara, senti pesar o coração. Afastei aquele pensamento, tomando o último gole e levantei-me para dormir. Mas antes, deixei um pouco de comida. Ela sempre tinha fome de madrugada. Aquela passeadora.

_ Fique quieta, está bem? Está me irritando!
_ Deixa ela...
_ Ah, não! Chega disso! Vá dar uma volta, sua chata!
Levantei-me da cadeira e abri a porta. Saiu rapidamente, mas ainda voltou para olhar-me. Porém, fechei a porta antes que pudesse voltar.
_ Esperta ela, sabe a hora de deixar você sozinha!
_ Um arzinho para pensar no modo como anda se comportando!
Rimos, mas logo o clima tornou-se pesado. Algo muito triste estava para ser dito.
_ E... afinal... o que fará com ela?
_ Você sabe... eu... não tenho outra alternativa. Tenho que deixá-la. Será melhor para nós, principalmente para ela. Um novo lar, vai ser melhor... com certeza será melhor...
_ Não sentirá saudades?
_ E como, você não sabe o quanto gosto dessa pequena... você não imagina...

E não sabia eu mesma até aquela manhã. Quando acordei com o despertador gritando em minha orelha, estranhei. Levantei-me da cama, ainda sonolenta, enrolei-me no roupão, calcei meus chinelos e fui checar a sala. Nada. Aquele vazio, aquele silêncio... tristeza. Cadê você, sua maluca? Passou a noite fora, hein? A farra deve ter sido boa! Entristecida e um pouco chateada, fui para o banho, esquentei os ossos naquela manhã gelada. E antes de deixar a casa para ir para o trabalho, olhei para trás me perguntando se enfim, ela sabia de tudo. Era muitíssimo esperta aquela lá, muito mesmo...
Mas o silêncio e o vazio acompanharam-me durante uma semana e depois nas outras sem fim. Todos os dias eu esperava abrir a porta e dar de cara com ela, aqueles olhos brilhantes, aquela alegria tão presente no seu jeito e carinho que estava sempre pronta para dar. Meu coração murchava toda vez que aquela porta se abria, só o vento me cumprimentando pela manhã. E então, logo ela soube, não era mesmo esperta? Soube do que aconteceria, que ninguém queria contar-lhe, mas mesmo assim soube. E foi embora. Soube que teríamos que nos separar, sua querida companheira não poderia mais compartilhar sua casa e sua cama com ela e, esperta, como sempre, se foi. E poupou-me. Poupou-me da dor da despedida, aquele olhar de quem sabe que nunca mais poderá dar outro olhar, aquele abraço triste de quem sabe que nunca mais poderá dar outro abraço. E foi embora, qualquer outro lugar, assim nenhuma de nós sofreria, o adeus não teria que acontecer. Tão pequena, mas tão esperta.
Esperta como o que era.
Uma gata.
Para minha pequena gata, perdida no tempo.

Próximo conto... ainda não escolhido.

Aguarde.
Até
Ao som de... teclado.

19.8.07


_ ... sorri o meu sorriso mais triste ...


E continua Clara, ouvindo... na sua fortaleza...


A página arrancada.
Pt. Final.


_ Mas que bom ouvir isso, Alberto. Não sabe o quanto me alegra! _ Não fazia a mínima idéia. Mesmo. _ Conhece a sortuda há muito tempo? _ A minha sorte, eu pensei. Toda a sorte que eu sempre quis.
_ Não muito, mas parece fazer uma eternidade! E que doce eternidade! Uns três meses, vou pedi-la em namoro no sábado. Está tudo preparado, muito romântico! Tenho certeza que ela é a mulher com quem vou me casar.
_ Quanta paixão! _ Minha risada amargurada, amargor que só eu senti escorrer pela garganta. Matava-me aos poucos, intoxicando-me daqueles sentimentos. Nem sabia mais o que sentia, só sabia que precisava continuar feliz, aparentemente, pois sabia que nunca mais o seria, se um dia o fui. _ É ótimo vê-lo tão feliz... espero que dê tudo certo!
_ Vai dar, Clarinha, vai dar... _ Olhou o relógio. Tive curiosidade de saber as horas também. Era a hora da minha morte. Depois daquilo eu respirei e só. _ O tempo voa com você! Mas tenho que ir, já é tarde!
_ Ah, tão cedo? Sabe que não me atrapalha, eu durmo tarde! _ Mentira, mais uma das minhas. Ele nunca saberia. Até eu esqueceria da verdade para doer menos.
_ Preciso mesmo ir! Mas muito obrigada por tudo, pelo jantar...
_ Que é isso, você sabe que eu estou sempre aqui! _ sorri o meu sorriso mais triste. Não me lembro de ter me sentido tão desesperançada em toda minha existência medíocre. E para encerrar a noite com chave de ouro... _ Não deixe de me ligar, avisando as novidades com sua princesa encantada!
_ Pode deixar! _ Abraçou-me forte. E eu o abracei... e fiquei abraçada com ele. Nunca tinha feito aquilo. Foi aquele momento que me anestesiou. Não existe dor em um mundo que exista aquele sentimento. Não pode haver dor.
_ Você está bem mesmo, Clara? Estou achando-a meio abatida hoje.
_ Estou ótima, Alberto. Até logo.
Eu sei que ele viu, porque por um breve instante seu sorriso se apagou. Ele viu a lágrima, a primeira e última lágrima que ele verá dos meus olhos apagados. Fechei a porta. Limpei a mesa, a lágrima morna grudada no meu rosto, cravada no meu coração. Lavei os copos, sequei - os bem. Nada mais importa. Cansei disso. Não me sinto melhor depois de ter por tanto tempo o peso da caneta revirando minhas entranhas. Quero meu tédio de volta. Meu tédio devoto. Não quero pensar em conhecê-la. Odeio-a, invejo-a, queria estar em seu lugar. Talvez não em seu lugar. Em qualquer outro lugar...
Clara fechou o diário. Nenhuma lágrima no rosto. Olhou pela janela, era noite sem luar. E ela, mulher sem coração. Suspirou, sentindo aquela dor que ela não estava acostumada. Queria tudo de volta. Podia esquecer tudo, não podia? Apagar aquela noite terrível, fingir que nada tinha acontecido. Ela era forte para fazer isso, tão forte... uma fortaleza. Abriu o diário, calma como sempre, nada podia tirar Clarinha do sério, ele dissera uma vez. Arrancou as páginas escritas, uma a uma, rasgou-as com serenidade. Nada aconteceu, só um pesadelo que a luz do dia vai apagar. Abriu a janela e os pedacinhos de seu coração voaram pela noite escura. Quem disse que aquela velha tola não podia se iludir?





Espero que agrade. Quem nunca sentiu a dor de uma página arrancada???



Próximo conto:


Ebola



4.6.07

_ ... e aquele vinho não podia ser qualquer outra coisa a não ser sangue.


A dor silenciosa que consome. Até quando ela conseguirá manter-se firme no alto de sua torre de isolamento??


A página arrancada.
Pt.3

O garfo teria caído de minha mão. Mas eu sou forte. Sou franzina e um tanto pálida, mas sou forte. Uma fortaleza. Olhei-o com surpresa, forcei um sorriso que saiu muito autêntico, ele pareceu acreditar pelo menos. E ele era transparente como meus copos bem cuidados. Mentir? Ele não sabia mentir. Esconder? Não, ele nunca aprendeu isso. Mas eu sou ótima nessas coisas. Terminei de mastigar, engoli cacos de vidros como se fossem pétalas de rosas. Qualquer menininha tola se empolgaria, iludida, e acharia que ela era a tal mulher. Mas eu sou uma velha tola. Velhas tolas não se iludem dessa forma. Não essa velha tola, pelo menos.
_ Jura? Quem é? Conheço?_ Perguntei aquilo esperando que eu a conhecesse. Matá-la-ia, sem remorso nenhum. Falo sério.
_ Não, mas vai conhecê-la, com certeza! Ah, Clara, você tem que conhecê-la! Vai me dar razão, por ser o homem mais apaixonado do mundo!
Ele deu uma risada que simplesmente cortou meu coração. Abandonei calmamente o garfo ao lado do prato, peguei o copo. Suava frio e aquele vinho não podia ser qualquer outra coisa a não ser sangue. Meu sangue. Tentava sorrir, usei de todas as minhas forças, eu sou um estoque infinito de forças... o infinito teve um fim. O sorriso não saiu. Eu encarava a mesa à minha frente, eu era uma estátua de gelo com um coração de fogo. Derretia.
_ Clara, que houve? Sente-se mal?
_ Se eu me sinto mal? _ Voltei a mim, com um sorriso amável colado nos lábios. Não estava acontecendo nada demais... ele não quis dizer aquilo... _ De forma alguma, desculpe-me, acho que me distraí por um instante! Claro, quero muito conhecê-la! _ E esganá-la. Acabar com ela. Não sou uma pessoa violenta, mas naquele segundo, e até mesmo agora, sinto-me descontrolada de raiva da desconhecida. Minha moderação pararia no inferno se a olhasse. Pior que sei que esse dia vai chegar. Não quero nem imaginá-lo, basta de dor por um dia.
_ Ela é linda... mais linda do que eu posso descrever! Não sou bom com essas coisas! Você que é! _ Ele parou para bebericar seu vinho. Por um segundo, o único segundo em minha vida inteira, desejei mal a ele. Jamais tinha me pego pensando daquela forma. Escondi a admiração novamente por detrás daquele sorriso nojento que preguei com pregos enferrujados em meus lábios, querendo que daquela boca nunca mais saísse palavra nenhuma. Sua voz se calasse para sempre e que ela o odiasse eternamente. Estava tomada por ódio, fúria, tremia de leve até. Experimentei muitas coisas ruins dentro do meu coração, todo tipo de ciúme, inveja, decepção, mas aquilo não. Era potente, maior do que meu controle. Eu era uma fortaleza prestes a desabar e virar pó. Podia me vislumbrar levantando violentamente da cadeira, levantando o tom de voz, coisa que raramente faço, lágrimas irrompendo de meus olhos cansados de tanta contemplação e nenhum carinho em retorno, eu nunca choro na frente de ninguém. Eu correria para ele em estado deplorável de desespero e me jogaria em seus braços. Gritaria o mais alto que eu pudesse que tudo que eu tenho de mais importante na minha ínfima vida é ele! Que ele esquecesse essa mulherzinha à toa, linda, perfeita e ficasse comigo, eu imploraria de joelhos por isso! Não! Não se apaixone perdidamente por uma mulher que não seja eu! Não ligo que você continue com seus romancezinhos baratos com vagabundazinhas quaisquer, eu não ligo, o ciúme já me é conhecido, amigo de solidão e noites vazias!
_ Tem uma música, sabe, acho que você não conhece, que diz algo como “Você é a única luz que eu vejo”. Uau, sabe, Clara, eu me sinto muito assim! Só tenho olhos para ela! _ Não gosto de canções de amor. Não consigo deixar que estranhos tentem dizer o que eu sinto. Eles simplesmente não sabem como. _ Acho que estou parecendo um adolescente apaixonado! Mas falo sério, sabe, você me conhece como ninguém. _ Que teria eu feito para merecer tal castigo? Tenho sido boa a vida inteira! Tenho vivido quieta, esperando por dias melhores, só amando em silêncio e agora aquilo? Queria gritar, mas não existia voz que pudesse me auxiliar. _ Não sou desses que caem de amores pela primeira mulher que aparece! Demorou, mas ela chegou! O amor que sempre esperei!




Ao som de ... Thom Yorke - Harrowdown Hill

3.5.07

_ ... nunca deixei transpareceu minha tempestade, era sempre calmaria perto dele.



A dedicada Clara alegra-se em receber o amor de sua vida em uma hora tão inesperada. Mas sabia ela o que a noite de macarrão e filés de frango poderia reservar para seu coração...


A página arrancada
Pt.2




_ Mas que bom tê-lo por aqui, Alberto! Não imaginava vê-lo!
_ Como não? Esqueceu?_ Ele deu risada, dando-me um tapinha no ombro.
Lógico que eu tinha esquecido. Olhei para trás, em cima da escrivaninha, a sacola esperando por ele. Minha memória tinha falhado. Ela nunca falhava, ainda mais em se tratando de Alberto. Eu ri. Impossível não rir com ele. Convidei-o para entrar e jantar comigo. Educado, como se não fossemos amigos de anos e anos, perguntou se não ia atrapalhar. Mostrei a sacola, fui abrir uma garrafa de vinho e esquentar mais um pouco o jantar. É incrível como eu me sinto bem perto dele... ainda mais daquele jeito. Estava radiante.
_ Ficou muito bom, hein?
_ Também achei!
Fui colocando os pratos e os copos enquanto conversavámos. É lógico que estava ótimo. Nada que eu fizesse para ele seria ruim, tinha que ser perfeito. Minha mesa para uma pessoa tinha duas naquele momento e eu estava sorrindo à toa. Servi o vinho e em seguida minha voz me condenou.
_ Novidades?
Ai, como fui tola! Que pergunta, que pergunta! Que eu tinha que querer saber mais do que ele me contava? Podíamos continuar com nosso jantar, calmamente comeríamos o macarrão e os filés de frango, eles nunca tiveram gosto tão acre! Talvez conversássemos sobre o trabalho, amigos antigos que nunca víamos, até sobre o tempo, que não pára de chover nessa cidade! Ele iria embora com sua sacola, eu não pediria mais nada, sequer um beijo, sequer um abraço, sequer uma palavra de carinho a mais do que dois amigos possam ter! Nunca pedi por isso, nunca esperei por isso, não esperaria aquela noite. Eu fecharia a porta, meu coração disparado, enlouquecida de felicidade. Eu dormiria feliz e não estaria escrevendo essas malditas páginas, perdendo horas de sono que seriam maravilhosas! Não ocorreu nenhum crime, ninguém morreu ou está doente... minto, lógico que está! Não posso negar, estou com a alma adoecida, estremecida por um desastre que não mata ninguém, que ninguém morre de amor! E a única maneira de atenuar os sintomas dessa enfermidade é escrevendo nessas páginas idiotas de diário, surdas e mudas... e é disso que eu preciso. Contar para alguém o que eu não quero que ninguém saiba, desabafar sem ter medo de morrer de vergonha que o mundo saiba que eu dediquei minha vida à um amor como o que eu nutro por Alberto!
_ Novidades?
_ Ah, Clarinha, não tive oportunidade de contar para ninguém, me alegra muito ser você a primeira a saber!
_Que acontece de tão bom? Já soube de algo assim que abri a porta... foi promovido?
_ Ah, muito melhor que isso! _ Deu um generoso gole na taça cheia de vinho. Satisfeito, o desgraçado estava satisfeito como nunca!
_ Ganhou na loteria então!
_ Pode-se dizer que sim! Ganhei o melhor prêmio na loteria!
Meu Deus, como pode? Um homem mais cego que Alberto? Mais distraído que ele? Com certeza é o homem mais desligado do planeta! Ou eu seria a mulher mais fechada do universo? Talvez sejamos isso mesmo, um desligado e uma fechada. Um túmulo. E é bem verdade, nunca deixei transpareceu minha tempestade, era sempre calmaria perto dele. Meu peito podia explodir de contentamento, eu mantive sempre o mesmo sorriso moderado. Podia morrer de ciúmes de uma namoradinha, porque com ele era sempre umazinha de nada, mas cumprimentava-a com a amabilidade costumeira. Adoecia de saudades, mas sempre ligava em um intervalo regular. Minha vida inteira foi moderação, discrição. A única coisa desmedida e selvagem dentro de mim é minha paixão. Burra, cega e loucamente dedicada. Enquanto ele corria o mundo espalhando suas graças e beijos, eu me reservava a observá-lo e sonhar com ele. Não tive mais nenhum homem desde que Alberto entrou em minha vida. E ele entrou cedo, cedo demais para eu raciocinar com clareza e ver que talvez, tenha errado e desperdiçado minha vida.
_ E que prêmio é esse? Olha só como sorri!
_ Seu macarrão está maravilhoso como sempre! Bem, Clarinha, tenho a felicidade de informar que encontrei a mulher da minha vida!

.... Continua ...

Ao som de ... Radiohead - Thinking About You

4.2.07

_ Repentino.


Meus contos andam vindo aos poucos... a idéia chega, um pedaço da história se revela na esquina, depois do jantar, durante uma aula... Esse não. Chegou forte, clamando por ser escrito. Entregou-se por inteiro para mim e eu o aceitei com todo coração.


_ Eu não posso fugir de mim mesma. Ninguém pode.


A página arrancada.
Pt.1

23 de Setembro de 2001.


Estou há cinco minutos olhando para a página em branco. Tenho medo dela. Quase chego a esquecer que é só um pedaço de papel e o temor que sinto é de mim mesma. Das coisas que escreverei nela, das confissões que estou me obrigando a fazer. Acreditar é difícil, machuca. Faz apenas algumas horas que tudo se passou, mas agora quase não sinto a dor. É como estar insensível a uma ferida aberta no meio do peito. Porém, apesar de anestesiada... está aqui. Eu não posso fugir de mim mesma. Ninguém pode.
Meu dia foi normal. Nada de novo. Nada mudou. O trabalho é rotineiro, já sei fazê-lo de olhos fechados. O cobrador do ônibus e o motorista continuam os mesmos. A meia dúzia de pessoas que sempre o pegam estava lá. A blusa de quinta feira da mulher de olheiras fundas e costas curvadas também estava presente. Não sei o motivo, morro de uma curiosidade intrometida de saber por que ela sempre veste aquela blusa listrada às quintas feiras. Não é um uniforme, já a vi com um cinzento. Talvez ela nem tenha percebido. E definitivamente não é da minha conta. O mercado continua lá, o açougueiro sempre reclamando da artrite, a senhora gorducha que pesa os legumes sempre elogia as abobrinhas que eu escolho. O cachorro da vizinha late todos os dias para o marido, mas nunca para o amante. Será que ela o treinou? Eu também não mudei por fora. Meus cabelos conservam-se do mesmo castanho perene, nunca os tingi. Mas mudei por dentro. Não queria ter mudado, nunca. Queria estar sempre no mercado escolhendo minhas abobrinhas, ouvir o latido do cachorro da vizinha, tudo podia continuar do mesmo jeito e eu seria feliz, também do meu jeito. Queria a mesmice de todos os dias se repetindo, repetindo... nunca ficaria cansada. Queria sentir sempre as mesmas coisas boas e terríveis, já aprendi a conviver com elas. Mas não sei conviver com isso, não quero aprender. Queria nunca ter sido perturbada às oito horas dessa noite.
Estava na cozinha, terminando de cozinhar meu jantar. Seria uma noite como todas as outras, solitária, mas agradável. O interfone tocou. Não esperava visitas, elas são raras. A voz áspera do porteiro anunciou:
_Seu Alberto, pode subir, dona?
_Pode sim.
Corri para o banheiro, passar uma escova nos cabelos. Senti meu coração bater mais forte e ai, como sou tola, pensei que era uma surpresa muito agradável! Explodi, a minha maneira, de felicidade, que queria Alberto a aquele horário? Não importava, sua visita era sempre uma alegria a mais para meus dias monótonos. Não que eu reclame da monotonia, hoje eu posso dizer que a adoro. A campainha tocou, eu já grudada à porta. Abri e nunca o achei tão mudado. Seu semblante estava iluminado, sorria muito, mexia-se animado. Abraçou-me forte, como sempre fazia. Eu simplesmente o achei mais lindo do que nunca. Que acontecia com Alberto?


Continua....


Ao som de Depeche Mode - Somebody

20.1.07

_ Visual novo.


Lindo né? Tive preguiça de fazer um eu mesma, logo, baixei esse que está excelente. Estava precisando mudar mesmo....


_ "Assim como minha vida."


Bem, essa é uma redação que eu fiz para o cursinho ano passado, mas gostei muito do resultado e quem corrigiu também! Espero que gostem também, meus caros leitores fantasmas.


As últimas horas.
Ele estava sentado em sua confortável poltrona, envolto em uma nuvem espessa de fumaça, refletindo e observando a chama consumir o cigarro que, ironicamente, também o consumia. A música que colocara para tocar era triste e mais parecia um coral de anjos, prontos para levá-lo dali.
Apagou o cigarro, suspirando, muito cansado. A fumaça foi se dissipando e pôde ver melhor a sala. “Assim como minha vida”, pensou. Entendia agora as palavras do avô, ouvira-as um pouco antes do fim da existência daquele velhinho de cabelos muito brancos que dissera quase que num sussurro, o sussurro mais lúcidos de seus últimos tempos, que agora, no fim, ele podia ver claramente. “Sim, vovô, eu também posso ver agora’. Na juventude, viu a vida como os feixes de luz que escapam das frestas das cortinas entreabertas, mas, agora que a idade tornara seus cabelos tão brancos quanto os do avô, ele podia ver tudo, sem cortina que pudesse impedir a luz de chegar aos seus olhos. E se sentia só. Seus dois filhos não corriam mais pela casa, muito menos o terceiro, pois tinha ele mesmo trancado a porta daquela criança. A ordem final que tinha enchido de água os olhos da mãe, que não se lembrava nem do nome, só da foto no jornal, caderno policial.
Levantou-se e encarou o espelho. Não precisava de uma pesada biografia para contar sua história, pois ela estava todinha ali, no seu rosto. Lembrou-se do livro que lera no colégio, O Retrato de Dorian Gray. Infelizmente ele não tinha nenhum retrato para envelhecer por ele ou esconder seus pecados. Encarando sua imagem, viu sua alma enegrecida, envelhecida e amaldiçoada por todos seus erros. Abriu as portas que não deveriam ser abertas e manteve fechada as que deveriam ser abertas. Suas rugas eram páginas que ele não queria folhear.
Voltou para sua poltrona, conquistada com a desgraça de muitos, como grande parte de sua fortuna. Sentiu que não poderia mais sair de lá. Nunca mais. Não porque suas pernas não tivessem um resto de forças, mas porque estava velho: velho demais para mudar a história daquelas folhas. Estava sentada a beira de sua própria cova, as pernas balançando, só esperando que os anjos que entoavam aquela canção triste ao fundo o empurassem lá pra baixo.


Até a próxima.
Ao som de ... Radiohead - Let Down.