13.11.07

_ ... Eu a amava, mesmo quando a odiava um pouco.


Esse conto foi escrito para alguém muito especial.



Ebola.

Coloquei a chave na fechadura, a mala pousada ao meu lado. Estranhei ainda não ter ouvido sua voz atrás da porta. Ela sempre me esperava. Estava com saudade, sentindo até um aperto no coração. Queria vê-la, saber se está bem, como foi que passou a semana sem mim. Apostava que estaria morta de saudade também, ficaria muito feliz com minha volta. Talvez estivesse dormindo tranquilamente, por isso ainda não a ouvia. Abri a porta, escorreguei a mão até o interruptor. O apartamento vazio.

_ Reclamações! Sempre reclamações! Vê?
_ Ainda essa ironia! Olhe bem essa frase...
Olhei-a nos olhos, querendo censurá-la. Só me trazia problemas! Mas sequer senti vontade de gritar-lhe alguma coisa, descontar todo meu estresse nela. Era incapaz de responder-me, mas tinha certeza que se pudesse, diria:
_ Desculpa.

Trouxe a mala para dentro e fechei a porta. Cadê você, sem educação, não vem me dar oi? Andei um pouco, fiz um barulho para chamar atenção, mas nada. Simplesmente não estava. Olhei para o relógio na parede e depois pela janela. Que horário para sair, garota! E nesse frio... preocupei-me e mais uma vez senti aquele aperto no coração. Ela não estava lá para me receber. Mas bem que eu merecia aquilo, não é verdade?

_ Uma semana inteira?
_ É, tem que ser assim, não há outra forma. Já pensei em tudo...
Ela voltava naquele momento, chamando nossa atenção. Parecia feliz, aquele brilho nos olhos. Liberdade, ela gostava. Mas gostava da casa e de mim. Sempre senti um amor sincero vindo dela. Cada vez que me chamava com sua voz infantil, eu sentia. E sem querer, eu a amava intensamente, mesmo repreendendo-a todos os dias, às vezes nem ligando que ela estava lá. Mas eu a amava, mesmo quando a odiava um pouco. Seu jeito sereno e meigo por tantas vezes ou aqueles acessos de energia que eu simplesmente não podia entender e me irritavam. Era seu jeito, de sua forma tão peculiar e era encantador.

Deve voltar mais tarde, não vai ficar a essa hora passeando. Em breve estará aqui, vai ficar tão feliz em me ver de voltar, pensei. Abri o quarto, desfiz minha mala rapidamente. Tomei um banho demorado, a viagem tinha me deixado tão cansada! Bebi um chá, ainda com a toalha enrolada na cabeça, assistindo uma coisa qualquer na televisão, sem prestar nenhuma atenção. Meu pensamento estava nela, a preocupação começando a aparecer. Não podia pelo menos avisar? Ri-me, que tola! Olha como estava agindo... Voltará de madrugada, apostei. Chegaria muito silenciosa, comeria algo e deitaria na sua cama. Na manhã seguinte me acordaria e mataríamos a saudade. Provavelmente eu até brigaria um pouquinho com ela. O chá estava acabando. Olhei o fundo da xícara, senti pesar o coração. Afastei aquele pensamento, tomando o último gole e levantei-me para dormir. Mas antes, deixei um pouco de comida. Ela sempre tinha fome de madrugada. Aquela passeadora.

_ Fique quieta, está bem? Está me irritando!
_ Deixa ela...
_ Ah, não! Chega disso! Vá dar uma volta, sua chata!
Levantei-me da cadeira e abri a porta. Saiu rapidamente, mas ainda voltou para olhar-me. Porém, fechei a porta antes que pudesse voltar.
_ Esperta ela, sabe a hora de deixar você sozinha!
_ Um arzinho para pensar no modo como anda se comportando!
Rimos, mas logo o clima tornou-se pesado. Algo muito triste estava para ser dito.
_ E... afinal... o que fará com ela?
_ Você sabe... eu... não tenho outra alternativa. Tenho que deixá-la. Será melhor para nós, principalmente para ela. Um novo lar, vai ser melhor... com certeza será melhor...
_ Não sentirá saudades?
_ E como, você não sabe o quanto gosto dessa pequena... você não imagina...

E não sabia eu mesma até aquela manhã. Quando acordei com o despertador gritando em minha orelha, estranhei. Levantei-me da cama, ainda sonolenta, enrolei-me no roupão, calcei meus chinelos e fui checar a sala. Nada. Aquele vazio, aquele silêncio... tristeza. Cadê você, sua maluca? Passou a noite fora, hein? A farra deve ter sido boa! Entristecida e um pouco chateada, fui para o banho, esquentei os ossos naquela manhã gelada. E antes de deixar a casa para ir para o trabalho, olhei para trás me perguntando se enfim, ela sabia de tudo. Era muitíssimo esperta aquela lá, muito mesmo...
Mas o silêncio e o vazio acompanharam-me durante uma semana e depois nas outras sem fim. Todos os dias eu esperava abrir a porta e dar de cara com ela, aqueles olhos brilhantes, aquela alegria tão presente no seu jeito e carinho que estava sempre pronta para dar. Meu coração murchava toda vez que aquela porta se abria, só o vento me cumprimentando pela manhã. E então, logo ela soube, não era mesmo esperta? Soube do que aconteceria, que ninguém queria contar-lhe, mas mesmo assim soube. E foi embora. Soube que teríamos que nos separar, sua querida companheira não poderia mais compartilhar sua casa e sua cama com ela e, esperta, como sempre, se foi. E poupou-me. Poupou-me da dor da despedida, aquele olhar de quem sabe que nunca mais poderá dar outro olhar, aquele abraço triste de quem sabe que nunca mais poderá dar outro abraço. E foi embora, qualquer outro lugar, assim nenhuma de nós sofreria, o adeus não teria que acontecer. Tão pequena, mas tão esperta.
Esperta como o que era.
Uma gata.
Para minha pequena gata, perdida no tempo.

Próximo conto... ainda não escolhido.

Aguarde.
Até
Ao som de... teclado.