19.8.07


_ ... sorri o meu sorriso mais triste ...


E continua Clara, ouvindo... na sua fortaleza...


A página arrancada.
Pt. Final.


_ Mas que bom ouvir isso, Alberto. Não sabe o quanto me alegra! _ Não fazia a mínima idéia. Mesmo. _ Conhece a sortuda há muito tempo? _ A minha sorte, eu pensei. Toda a sorte que eu sempre quis.
_ Não muito, mas parece fazer uma eternidade! E que doce eternidade! Uns três meses, vou pedi-la em namoro no sábado. Está tudo preparado, muito romântico! Tenho certeza que ela é a mulher com quem vou me casar.
_ Quanta paixão! _ Minha risada amargurada, amargor que só eu senti escorrer pela garganta. Matava-me aos poucos, intoxicando-me daqueles sentimentos. Nem sabia mais o que sentia, só sabia que precisava continuar feliz, aparentemente, pois sabia que nunca mais o seria, se um dia o fui. _ É ótimo vê-lo tão feliz... espero que dê tudo certo!
_ Vai dar, Clarinha, vai dar... _ Olhou o relógio. Tive curiosidade de saber as horas também. Era a hora da minha morte. Depois daquilo eu respirei e só. _ O tempo voa com você! Mas tenho que ir, já é tarde!
_ Ah, tão cedo? Sabe que não me atrapalha, eu durmo tarde! _ Mentira, mais uma das minhas. Ele nunca saberia. Até eu esqueceria da verdade para doer menos.
_ Preciso mesmo ir! Mas muito obrigada por tudo, pelo jantar...
_ Que é isso, você sabe que eu estou sempre aqui! _ sorri o meu sorriso mais triste. Não me lembro de ter me sentido tão desesperançada em toda minha existência medíocre. E para encerrar a noite com chave de ouro... _ Não deixe de me ligar, avisando as novidades com sua princesa encantada!
_ Pode deixar! _ Abraçou-me forte. E eu o abracei... e fiquei abraçada com ele. Nunca tinha feito aquilo. Foi aquele momento que me anestesiou. Não existe dor em um mundo que exista aquele sentimento. Não pode haver dor.
_ Você está bem mesmo, Clara? Estou achando-a meio abatida hoje.
_ Estou ótima, Alberto. Até logo.
Eu sei que ele viu, porque por um breve instante seu sorriso se apagou. Ele viu a lágrima, a primeira e última lágrima que ele verá dos meus olhos apagados. Fechei a porta. Limpei a mesa, a lágrima morna grudada no meu rosto, cravada no meu coração. Lavei os copos, sequei - os bem. Nada mais importa. Cansei disso. Não me sinto melhor depois de ter por tanto tempo o peso da caneta revirando minhas entranhas. Quero meu tédio de volta. Meu tédio devoto. Não quero pensar em conhecê-la. Odeio-a, invejo-a, queria estar em seu lugar. Talvez não em seu lugar. Em qualquer outro lugar...
Clara fechou o diário. Nenhuma lágrima no rosto. Olhou pela janela, era noite sem luar. E ela, mulher sem coração. Suspirou, sentindo aquela dor que ela não estava acostumada. Queria tudo de volta. Podia esquecer tudo, não podia? Apagar aquela noite terrível, fingir que nada tinha acontecido. Ela era forte para fazer isso, tão forte... uma fortaleza. Abriu o diário, calma como sempre, nada podia tirar Clarinha do sério, ele dissera uma vez. Arrancou as páginas escritas, uma a uma, rasgou-as com serenidade. Nada aconteceu, só um pesadelo que a luz do dia vai apagar. Abriu a janela e os pedacinhos de seu coração voaram pela noite escura. Quem disse que aquela velha tola não podia se iludir?





Espero que agrade. Quem nunca sentiu a dor de uma página arrancada???



Próximo conto:


Ebola