1.5.09

A Hora do Ocaso

Deveria ser um livro, mas a vida tornou-o apenas um capítulo.

Vinha descendo a noite sobre a cidade; nem quente, nem fria, apenas a noite. Não se via nenhuma estrela São Paulo não as permitia. Ela, sem nome, sentia falta delas. E por que não dizer que de algo mais?
Ele, esperava sem esperar. Tentava em vão, achar superficialmente os braços e abraços daquela menina. Intensa e profundamente, procurava algo que suspeitava, muito pesarosamente, não estar mais lá. Tinha medo, muito dele, mas não se encolhia nele.
Os olhos firmes dela, que de tão doces eram também tão distantes, fugiam no horizonte e contavam os carros: dois Corsas, um ônibus lotado, alguns Gols e várias motos. Contava também as horas que faltavam e as palavras que não vinham. Sentia não medo; na sua dura resignação não havia espaço para a dúvida, mas sim se sentia carrasca com machado em mãos, sentia o frio de suas palavras não ditas aos 27o C de um ocaso de outono.
Tinha que dizer-lhe sem demora nos próximos minutos. Tinha porque era obrigação: para com ele, para com ela, para com tudo que ainda lhe era caro. Não havia espaço para mentiras ou meias-verdades, não depois de tantos quilômetros e um sem fim de palavras percorridos.
Esse mesmo sem fim de palavras explodiam em sua cabeça como um novo big bang! E o que restava era um pó de estrelas que lhe velavam a alma, que diziam que era tão certo o que sentia que devia ser verdade. Mas era complexo para ela, até mesmo para ela, transformar esse pó de estrelas em palavras. Sabia que igual fenômeno aconteceria com aquele que segurava suas mãos cheio de amor. Só que haveria naquele outro mundo distante uma chuva de meteoros cor de fogo, que além da cor teriam também o calor e o ardor, queimariam não somente os olhos a beira das lágrimas como chamuscariam a alma inteira daquele menino com rosto de homem. Pois, no fim das contas, para sua infelicidade, era aquilo mesmo: uma grande inversão de papéis.
Queria ter de novo 16 anos, não para resgatar o sentimento que nela morava naquela tenra idade, já tinha desistido, não sem lutar, desse feito, mas sim poder gritar-lhe qualquer coisa impulsiva, suma! desapareça! e até mesmo isso lhe fora tirado. Sua poeira de estrelas era constelação organizada, e sem seus olhos podia-se ler que eram considerações, sentimentos e satisfações por demais para se dar ao luxo de uma infantilidade. Porém, não se sentia injustiçada ou tampouco triste. E isso, era também amargo e lhe embargava as palavras
_Escuta, tenho algo a lhe dizer. Não sei como, mas sei que tenho. Tentarei ser clara, mesmo que pareça cruel. Mas juro que não sou: sou qualquer coisa menos a megera incompreensiva que um dia pensei ser.
O corpo grande dele diminuiu. Viu a tempestade castanha muito escura se formar nos olhos dela. E não tinha abrigo ou guarda-chuva. Teria que enfrentar cada pingo espesso ou chuva com sua própria alma, exposta e vulnerável. Sentiu-se ridículo ao se perceber tremendo. Sentiu-se patético ao ver que lágrimas se anunciavam. E sentiu-se mortalmente triste por ter ouvidos e mais; coração.
Era injusto o que via a sua frente. Por onde andara aquela menina para se tornar tão mulher? Aquela iniciativa firme, seu tom de voz sem tremor, ainda que com uma ternura quase maligna, o que foi feito dela e por que ninguém se dignou a notificá-lo? Desarmado, percebeu-se mortificado por saber, mesmo que sem querer, que era ele o grande responsável por aquilo que vinha ao seu encontro. Ela e suas palavras, ela e sua força, ela que sofrera tanto por ele, mas aprendeu a se levantar e a se impor. Não vivo por carência, só vivo por amor. Não vivo pelo passado, só vivo por agora.
_Não há mais jeito, não quero, não quero agora, agora de jeito nenhum. Doi-me a alma dizer-lhe isto, Deus sabe o quanto eu te amei; por quantas noites chorei sem saber porquê, sabendo que era você e por quantos dias eu senti saudade das coisas que não foram? Mas agora eu sei que não serão. Morri quando você me deixou tão covardemente; morri e fiquei morta por vontade, minha alma falecida ainda te queria e isso me bastava. Mas a vida não quis assim, ergueu-me, mostrou coisas maravilhosas e por fim me trouxe paz. Você é muito caos para meu mundo, seu jeito incorrigível, amargo. Eu só preciso de paz, mesmo que silenciosa e solitária. Um dia escrevi: só preciso da paz. Da paz dos olhos de quem morre por amor. Ah, como me enganei! Eu ainda só quero a paz dos olhos, mas não é de quem morre, é de quem vive por amor! Meu caro, não tenho medo de dizer-lhe: foi o amor da minha vida. Porém, mudei de vida e nela não há espaço para nosso amor.
A extrema sinceridade e fervor de suas palavras eram um ataque cardíaco fulminante. Sentiu, no auge de seus 23 anos, a alma escorrer límpida e líquida pelos olhos. No rosto dela a tranqüilidade de quem abriu seu coração e um quê de preocupação: não era carrasca, era somente ela mesma e tinha o direito que todos nós temos: tentarmos ser felizes. E para provar a boa vontade de sua tão fria crueldade, abraçou-o forte e enxugou algumas de suas lágrimas.
Ele foi embora depois de uma longa conversa, o rosto vermelho e encharcado, 5 anos mais velho, arrastando paletó, corpo e alma. Sentia-se derrotado e infestado de sentimentos, inclusive o amor que foi a última coisa que jurou a ela.
Ela saiu com um sorriso no rosto, não zombeteiro, nem feliz ou entristecido, era o sorriso de quem se conclui. Saiu sim para nunca mais voltar e foi embora para nunca mais sentir saudades.

Até a próxima!