17.12.07

_ ... será que aquelas folhinhas nunca sentiram vontade de assistir ao espetáculo do inverno?


pensou olhar para trás e perceber que existem verões em sol e relacionamentos sem amor?

Vestígios de um verão sem sol.

Levantou-se da cama e foi abrir a janela. A luz intensa do sol do meio dia feriu seus sensíveis olhos claros, porém o ar fresco de um outono recém chegado lhe fez muito bem. O verão finalmente tinha chegado ao fim.

_ Essa é a hora que as folhas caem e músicas como essa não têm mais nenhum significado, não é?

Falava para si mesma, dando as costas agora para a janela e observando as paredes cor de palha da casa vazia. Ao fundo, o rádio tocava aquele CD. Ela suspirou longamente, onde estaria a caixa onde ele veio embrulhado? Provavelmente esquecida no fundo daqueles armários com cheiro de mofo. Estavam fechados desde o último verão que passaram ali. Esticou os braços para as portas, mas não sentiu verdadeira vontade de abri-las.

_ Deixa os mortos repousarem em suas silenciosas tumbas, Érica.

Voltou seus olhos entristecidos para o mundo do outro lado da janela. As árvores continuavam as mesmas e as folhas balançavam ao sabor da brisa fresca. Vez ou outra uma delas caia, aliviada, no chão de terra batida, e se juntava às outras companheiras de missão cumprida. Tinham feito a primavera e o verão e agora era hora de repousar e voltar de onde vieram. Pensava agora, as mãos apoiadas no parapeito da janela, será que aquelas folhinhas nunca sentiram vontade de assistir ao espetáculo do inverno? Talvez elas fossem espertas o suficiente para saber que todos têm sua hora de cair.

_ E será que é tão ruim assim?

O CD finalmente chegou ao fim. Ficou o silêncio pesado passeando pelos corredores, Érica quase podia senti-lo chegar mais perto. Não o queria. Se demorasse muito, logo conseguiria ouvir as confissões daquelas paredes e muito provavelmente seus pedidos.

_ Por que o deixei pintá-las dessa cor tão pavorosa?

Fechou os olhos e largou-se na cama. Ficou o mais quieta possível, imóvel. Mas não ouviu nada, sequer um sussurro entristecido. Abriu lentamente os olhos, tocou os lençóis com suas mãos suaves, as unhas recém feitas. Não, nem as paredes nem aquela cama queriam falar-lhe. Assim como as músicas naquele CD. Ou seu coração.

Então, tornou a fechar os olhos. Estava confusa, entristecida, aliviada, até uma vontade de rir lhe atormentava. Simplesmente não entendia o que estava acontecendo, não era pra ser assim.

_ Era para ser triste, Érica! Era para você estar com os olhos cheios de lágrimas, o coração pesado, a mente cheia de lembranças! _ Levantou o corpo e apontou para o armário, no seu monólogo entusiasmado, continuou _ Olha bem aquele armário! Está cheio das roupas dele, do perfume dele, a camisa que ganhou da madrinha, aquela que ele odiava e usava para cuidar do jardim, enquanto você, sua insensível, morria de rir dele, enquanto lia numa cadeira confortável! _ Sua respiração ia se alterando, as palavras cada vez mais rápidas saltavam de sua boca _ E essa cama! _ Suas unhas cravaram-se no lençol muito macio e seus olhos deslizando também por ele _ O que essa cama guarda! Tantas aventuras e prazeres, quantas palavras trocadas, até outro dia jogávamos baralho, você ganhou e ele, sem saída, apagou as luzes e te enlouqueceu! Érica, você... eu... _ Parou, os olhos lá fora, acompanhando uma folha que caia e lembrando que estava tão sozinha ali e discursava apaixonadamente tão somente para si _ Eu não sinto falta dessas coisas. De nenhuma delas.

Olhou em volta, tocou o travesseiro de fronha verde folha e o trouxe para perto. Queria abraçá-lo, mas seus braços não obedeceram. Uma carta de baralho caiu quando ela o devolveu ao lugar onde estava.

_ Ele roubou só pra eu ganhar. Para me ganhar.

Levantou-se da cama, foi até o rádio e colocou para tocar o CD de novo. Caminhando até o banheiro, cantou junto com a cantora que chorava um amor perdido. Sabia a letra de cor, mas aquelas palavras... que diziam? Não sentia falta dele as cantando para ela, entre uma partida de xadrez e outra. Aliás, ela ouviria aquela canção que agora soava até monótona, jogaria xadrez, apostaria uma noite de amor em um jogo de cartas e plantaria rosas que nunca nasciam, com qualquer outro homem e nada disso lhe apertaria o coração. No banheiro, encarou o espelho.

_ Vazio. É isso que estou sentindo.

É o que foi. Foi toda uma relação vazia. Agora entendia. Aquele silêncio desconfortante que os interrogava às vezes não era cansaço e estresse de um dia de trabalho duro. E aquela indisposição de sair de casa às vezes para um cinema não era simplesmente TPM.

_ Mas foram anos...

De conforto. De um amigo para acompanhá-la nas horas de solidão, de um amante para satisfazer seus desejos, até um ombro para chorar as insatisfações de um dia extremamente atarefado. Abrira mão do amor e de um coração batendo alucinadamente pelo conforto de um fim de semana agradável assistindo TV ou de um verão calmo naquela casa.

_ Verões sem sol.

Passou as mãos pelo rosto, cobrindo seus olhos. Como se sentia cansada! Dormira até tarde aquele dia, mas o cansaço era tanto!

_ Dormi todos esses anos... como fui tola! E...

Olhou-se atentamente, no fundo dos olhos. Vazios. Não eram como os dele.

_ Cruel.

Apagou as luzes do banheiro e saiu. Ele a amara tanto, dedicara-se tanto! E ela sequer conseguia sentir saudades deles juntos, nenhuma mágoa do fim! Suspirou, alguém sempre tem que sofrer, disseram-lhe uma vez.

_ E que não seja eu.

Recolheu a caixa com seus últimos pertences e decidiu deixar a janela aberta. Um pouco de ar fresco na casa daquele homem não faria nenhum mal. Lá fora, uma folhinha despencava do alto de um galho. Missão cumprida, o fim.


Próximo conto ... Fora de Estação.

Até

Ao som de: Morrissey - All the Lazy Dikes.