8.4.12


Acabou de sair do forno... ;)

Um conto sobre cartas trocadas

Para um literato, um amor inventado cai muito bem.

Vivemos em uma época veloz. Tudo corre contra o tempo sem vencê-lo.

O mistério perdeu o charme.

A troca de olhares deu lugar para a troca de SMS.

As indiretas entremeadas com esmero em uma conversa foram também substituídas por cutucadas e curtidas em uma rede social.

(Social? Quantas pessoas de lá já tocamos de verdade?)

Ninguém se encontra mais se esquecer o celular em casa.

E só recebemos cartas do banco e dos Testemunhas de Jeová.

Mas para eles, isso não era o bastante.

Vamos correr com o tempo?


Ela era uma romântica que não sabia rimar.

Ele era um cronista boêmio, um escritor de boteco.

E estavam prestes a se apaixonarem.

Por palavras.


Ela era do tipo tímida mortalmente atrevida. E ele, do tipo que tem um sorriso de derrubar barreiras.

O acaso foi que se encontraram em um boteco qualquer, na hora do almoço. Sorriram um para o outro. Ela foi tocada no fundo da alma instantaneamente e se apaixonou por um total desconhecido. Sem saber metade das coisas que a fariam se apaixonar por ele.

E ela o deixou curioso. Ficou fascinado por aquele jeito esquisitinho dela. Era feinha, certo, mas havia algo ali que mexeu com ele também.

Encontravam-se de vez em quando, sorriam-se demoradamente, vasculhavam-se com os olhos sem dizer nada. Ironia, que duas pessoas que viviam para as palavras, quando um do lado do outro, sequer o mais casual conseguiam dizer. Contudo, especialmente por suas almas serem alimentadas por estas tais palavras, sabiam muito bem que quando se olhavam, elas ficavam muito desnecessárias. Quem as conhece bem, sabe o valor e a hora certa. E sabiam. Sabiam bem.

Mas ela era filha dos novos tempos e sua alma imatura urgia por resultados (vãos, um dia ela perceberia), por isso, tomada (possuída) por seu lado mortalmente atrevido, jogou as cartas na mesa. Ainda que de forma estranha: anotou seu telefone (o celular, é claro) em um guardanapo com a frase text me (não sabia por que o escrevera daquela forma, mas tinha que ser assim, entende?).

Quando aquele boêmio pegou o guardanapinho ousado, riu-se. Sabia que era dela. Garota curiosa aquela. Muito curiosa.

Mas ele não ligou. Tinha outras coisas em mente. Muitas outras coisas. E ela simplesmente não conseguiu entrar em sua vida daquela vez.


O tempo passou.

Rápido.


Ela, aquela romântica que, de tanta raiva daquele moço bonito (e frio, frio!), escreveu até um conto mal-educado, tentando esquecê-lo. Aquele pensamento intrusivo. Desrespeitoso. Mas tão bom...

Mas não conseguiu.

Nem ele.


A vida daquele rapaz se agitou, agitou, mudou e o tempo passou também. Mas aqueles olhos castanhos duros (e doces) não saiam de sua cabeça. Quem era ela? O que havia de especial naquela jovenzinha curiosa? Era feinha, mas... veja bem, ela não parece melhor mês após mês?

Agora o tempo corria claramente contra ela. Iria embora para sempre daquelas redondezas. Mas não podia deixa-lo para trás... podia?


Voltaram a se encontram no boteco.

Agora não era mais a pressa só pela pressa que a impulsionou. Era a necessidade.

Conseguiu seu nome. Seu contato no mundo virtual. Pronto, agora não o perderia de vista. Porém, desconfiou que eles nunca mais trocariam palavras. Diretamente, ao menos.

Quando finalmente o encontrou no mundo de mentira, percebeu que não errara. Aquele estranho tinha realmente a cara e o jeito de ser sua alma gêmea. Angustiou-se. Ainda mais quando descobriu que ele era apaixonado também pelas palavras. Ah, por que tanta perfeição, se não podia tocá-lo (nem sequer conversar com ele diretamente)?

Ele também a acessou. Surpreendeu-se. A prova concreta que seus instintos não erraram. Ela era feinha, mas ele se encantou com seu jeito de lidar com as palavras, com o jeito com que ela descrevia olhares como ninguém. Como parecia dividir sua mente com mais algumas pessoas. Como era doce, dura, realista, sonhadora, delicada e crua. Era interessantíssima aquela jovem. Não tinha a cara, mas tinha o jeito de alma gêmea.

Contudo, ele não era adepto do mundo novo. Era amante do mistério e do flerte demorado. Da indireta e da entrelinha. De instigar e interessar.

E decidiu que queria muito conversar com ela.

Mas de seu jeito.

Único e encantador.


Ele esperou que ela postasse um conto. Então ele o respondeu, muito indiretamente. Eu disse muito.

Mas ela percebeu.

Só que não acreditou. Já se dava por vencida, perdida. Já sofria por ter que mais uma vez abrir mão de seu amor inventado, platônico, levado as últimas consequências. Gostava de se lembrar de seu último encontro com ele, quando caminharam pelas ruas juntos. Prendia-se a aquele sorriso que também se via através de suas lentes fortes e quadradas. Daquele jeito de sorrir que só ele tinha. Alimentava-se quase que doentiamente daquela memória. Mas ela não a fazia doente, só curava sua dor. A dor que ela mesma criara.

Entretanto, ela era uma daquelas pessoas que transformava suas dores em coisas produtivas. Como em contos. Como em declarações. Aquele jovem com jeito e cara de alma gêmea, que insistentemente a ignorava na vida real, tornara-se sua Musa (então me deixa ser sua Musa também, já que você incendeia tão insistentemente meus pensamentos?).

Ela levantou instintivamente a sobrancelha esquerda quando leu aquele conto.

Devia estar pirada de verdade.

Doente por causa de uma paixão platônica. Que perdedora.

Postou outro.

Esperou a resposta (a quê?).

Ela veio.


E ele continuou escrevendo.

Ela continuou respondendo.

E do dia para noite, eles finalmente conversavam.

Daquele jeito meio esquisito, meio a moda antiga (retrô, não é?).

Como que se trocassem cartas.

Cartas sem destinatário ou remetente, mas que atingiam exatamente quem queriam.

(Eu sei bem o que você está fazendo aí. E sei fazer também).


E trocaram muito.

Gastaram (e melhoraram) suas habilidades.

Fizeram das palavras seus beijos e abraços à distância.

Envolveram-se e doaram-se.

Conheceram-se através de outros.

Personagens imaginários e mirabolantes que nada tinham a ver com eles. Mas não havia forma mais sincera e profunda de conhecer um ao outro que aquela.


Veio um dia o convite.

(Demorou, mas veio).

Não sei bem de quem partiu, tão confusas e intricadas eram aquelas conversas.

(Muito claras, quase banais, porém).

E um dia, encontraram-se, corpo e alma juntos dessa vez. No mesmo lugar em que colocaram os olhos um no outro da primeira vez.

E beijaram-se como deveria ser, afinal, haviam trocado uma meia dúzia de palavras pessoalmente, mas se conheciam como se conhece a um velho amigo (de infância até).

E viveram, como almas gêmeas devem, felizes para sempre.

(Porque assim escreveram no livro de suas vidas).


Bianca Gregorio

Abril/2012

Até a próxima

=D