3.5.07

_ ... nunca deixei transpareceu minha tempestade, era sempre calmaria perto dele.



A dedicada Clara alegra-se em receber o amor de sua vida em uma hora tão inesperada. Mas sabia ela o que a noite de macarrão e filés de frango poderia reservar para seu coração...


A página arrancada
Pt.2




_ Mas que bom tê-lo por aqui, Alberto! Não imaginava vê-lo!
_ Como não? Esqueceu?_ Ele deu risada, dando-me um tapinha no ombro.
Lógico que eu tinha esquecido. Olhei para trás, em cima da escrivaninha, a sacola esperando por ele. Minha memória tinha falhado. Ela nunca falhava, ainda mais em se tratando de Alberto. Eu ri. Impossível não rir com ele. Convidei-o para entrar e jantar comigo. Educado, como se não fossemos amigos de anos e anos, perguntou se não ia atrapalhar. Mostrei a sacola, fui abrir uma garrafa de vinho e esquentar mais um pouco o jantar. É incrível como eu me sinto bem perto dele... ainda mais daquele jeito. Estava radiante.
_ Ficou muito bom, hein?
_ Também achei!
Fui colocando os pratos e os copos enquanto conversavámos. É lógico que estava ótimo. Nada que eu fizesse para ele seria ruim, tinha que ser perfeito. Minha mesa para uma pessoa tinha duas naquele momento e eu estava sorrindo à toa. Servi o vinho e em seguida minha voz me condenou.
_ Novidades?
Ai, como fui tola! Que pergunta, que pergunta! Que eu tinha que querer saber mais do que ele me contava? Podíamos continuar com nosso jantar, calmamente comeríamos o macarrão e os filés de frango, eles nunca tiveram gosto tão acre! Talvez conversássemos sobre o trabalho, amigos antigos que nunca víamos, até sobre o tempo, que não pára de chover nessa cidade! Ele iria embora com sua sacola, eu não pediria mais nada, sequer um beijo, sequer um abraço, sequer uma palavra de carinho a mais do que dois amigos possam ter! Nunca pedi por isso, nunca esperei por isso, não esperaria aquela noite. Eu fecharia a porta, meu coração disparado, enlouquecida de felicidade. Eu dormiria feliz e não estaria escrevendo essas malditas páginas, perdendo horas de sono que seriam maravilhosas! Não ocorreu nenhum crime, ninguém morreu ou está doente... minto, lógico que está! Não posso negar, estou com a alma adoecida, estremecida por um desastre que não mata ninguém, que ninguém morre de amor! E a única maneira de atenuar os sintomas dessa enfermidade é escrevendo nessas páginas idiotas de diário, surdas e mudas... e é disso que eu preciso. Contar para alguém o que eu não quero que ninguém saiba, desabafar sem ter medo de morrer de vergonha que o mundo saiba que eu dediquei minha vida à um amor como o que eu nutro por Alberto!
_ Novidades?
_ Ah, Clarinha, não tive oportunidade de contar para ninguém, me alegra muito ser você a primeira a saber!
_Que acontece de tão bom? Já soube de algo assim que abri a porta... foi promovido?
_ Ah, muito melhor que isso! _ Deu um generoso gole na taça cheia de vinho. Satisfeito, o desgraçado estava satisfeito como nunca!
_ Ganhou na loteria então!
_ Pode-se dizer que sim! Ganhei o melhor prêmio na loteria!
Meu Deus, como pode? Um homem mais cego que Alberto? Mais distraído que ele? Com certeza é o homem mais desligado do planeta! Ou eu seria a mulher mais fechada do universo? Talvez sejamos isso mesmo, um desligado e uma fechada. Um túmulo. E é bem verdade, nunca deixei transpareceu minha tempestade, era sempre calmaria perto dele. Meu peito podia explodir de contentamento, eu mantive sempre o mesmo sorriso moderado. Podia morrer de ciúmes de uma namoradinha, porque com ele era sempre umazinha de nada, mas cumprimentava-a com a amabilidade costumeira. Adoecia de saudades, mas sempre ligava em um intervalo regular. Minha vida inteira foi moderação, discrição. A única coisa desmedida e selvagem dentro de mim é minha paixão. Burra, cega e loucamente dedicada. Enquanto ele corria o mundo espalhando suas graças e beijos, eu me reservava a observá-lo e sonhar com ele. Não tive mais nenhum homem desde que Alberto entrou em minha vida. E ele entrou cedo, cedo demais para eu raciocinar com clareza e ver que talvez, tenha errado e desperdiçado minha vida.
_ E que prêmio é esse? Olha só como sorri!
_ Seu macarrão está maravilhoso como sempre! Bem, Clarinha, tenho a felicidade de informar que encontrei a mulher da minha vida!

.... Continua ...

Ao som de ... Radiohead - Thinking About You