15.3.08

_ E essas flores, têm perfume?


Eu nunca vou saber que flores são essas para falar a verdade!

Fora de Estação.
Pt.3


Jogar conversa fora, você não é disso, pensou Ângela. Abriu mais o vidro do carro. Aquelas flores, teriam perfume? Não se lembrava. Aliás, as tais prendiam sua atenção porque lhe reavivarem a memória, não era verdade? Havia uma árvore igualzinha a ela em algum lugar importante... onde mesmo? Será que estava assim, tão velha para esquecer de coisas tão simples? Pousou as mãos no colo. Observou-as demoradamente. Não, ainda eram mãos jovens, vigorosas, o esmalte discreto de uma mulher madura e bem sucedida e... aquele anel dourado na mão direita. Apertava-lhe o dedo anular agora. Só alguns meses e minha filhinha estará casada, uma mulher formada! Foi assim que lhe disse sua mãe, enquanto servia chá com biscoitos amanteigados. Tinha forma de flores e ursinhos, teve vontade de rir. Biscoitos daqueles para uma mulher como ela! Ah, mãe, tivera vontade de lhe dizer algo, algo que ela não entendera no momento e tão pouco entendia agora, mas engolira aquilo que a perturbava junto com seu chá e biscoitos, com um sorriso de Ah! Está tudo tão bem! Mas não estava, definitivamente. Olhou o relógio novamente, fazia-o com muita freqüência ultimamente, vinte e tanto minutos! Uma eternidade. Virou discretamente o rosto para observar Carlos, o pescoço encostado no banco, os olhos cerrados, as mãos pousadas no assento ao lado do corpo. Não tão velhos assim, não? Seus dedos, lisos e jovens como sempre...
_ Você sentiu falta dele? _ a pergunta pegou-a de surpresa, como se ela própria a tivesse feito. Carlos permanecia de olhos fechados, um raio atrevido de sol dourava-lhe os cabelos bem cuidados.
_ De quem? _ sua voz tinha um quê de “eu não quero falar disso. Aliás, do que estamos falando mesmo?”.
_ Do seu noivo, Ângela.
_ Sim.
_ Tudo bem se você não sentisse. Duas semanas é bem pouca coisa para pessoas duronas como a gente, não é? _ Pois é. _ agradeceu secretamente por Carlos nunca ter aberto os olhos e a olhado profundamente. Não soube se conseguiria mentir nessa situação embaraçosa.
_ Você viu, tem uma daquelas árvores do outro lado da rua. _ Ângela respirou aliviada. Queria dizer obrigada por não continuar com aquele conversa. Já não bastava tanta inquietação que não a deixava dia e noite? _ Na casa da minha mãe havia uma, porém bem mais bonita. Você com certeza se lembra. Mas nunca a vi florescer no inverno.
O tom da conversa era ameno e Ângela viu-se por um instante, totalmente relaxada e livre de seus tormentos. Sem pensar muito no que fazia, como outrora fazia, deitou-se, pousando a cabeça nas pernas de Carlos. Seus cabelos claros se espalharam pela calça dele, como as flores na calçada.
_ Mentira. Lembro-me de um inverno que ele estava abarrotado de flores! Era tão bonito... você se lembra, claro.
_ Sim. _ sim, agora era uma lembrança bem nítida. A casa de Carlos, no fim daquela rua cheia de árvores. Gostava de andar lá de bicicleta e depois passar tardes inteiras conversando com os amigos debaixo da sombra generosa de alguma delas. Até a lua parecia muito mais especial por entre a folhagem daquelas abençoadas e verdejantes. _ Sua rua era praticamente um bosque. Será que elas ainda estão por lá?
_Pouco provável. A região hoje é quase toda de prédios. Pequenos apartamentos com uma vaga na garagem e um playground com areia de mentira. Nesse tipo de lugar não há espaço para árvores.
_ E essas flores, têm perfume?
Carlos acariciou seus cabelos, suspirou e olhou pela janela.
_ Carlos?
_ Por que você insiste em mentir para mim? Acho que não precisamos disso. _ sua voz era calma, porem mais firme do que Ângela gostaria de ouvir.
_ Menti sobre o quê? Do que você está falando?
_ Sobre sentir saudades dele.
_ Eu... _ olhavam-se nos olhos. Ângela sentiu que não poderia dizer qualquer coisa.
_ Você não precisa disso, Ângela. Custa ser um pouco sincera?
_ Eu só não quero falar sobre isso. Talvez eu não queira nem pensar nisso, para falar a verdade. _ Afinal, ela perdera noites de sono tentando não pensar naquilo. Que direito ele tinha de perturbar-lhe daquela forma?
_ Ângela, querida... você não está velha demais e nem covarde demais. Posso sentir isso quando olho para você! Por favor, chega de sentir medo de encarar isso de frente!
_ Como se você entendesse!
_ Não fique brava comigo, vamos. Só estou tentando fazê-la ver que está prestes a fazer uma grande tolice por medo! Justo você!
Ângela desviou o olhar e fingiu prestar atenção em qualquer coisa do lado de fora. Que grande intrometido que ele era! Sempre achando que entendia mais dela do ela mesma, sempre achando que podia chegar no meio da conversar e dar sua maldita opinião!


Continua...

Ao som de: Atrocity - Here Comes the Rain Again