19.11.09

Eu comecei esse conto faz um LONGO tempo... longo porque um milhão de coisas aconteceram na minha vida desde então, e como vocês sabem, o tempo é relativo... Só consegui terminá-lo em setembro agora, quando outras coisas totalmente diferentes se passavam na minha cabeça, mas ainda sim, eu queria coisas de volta comigo, não as mesma, porém... Acabou que o texto ficou com esse jeitão saudoso e terno que eu gostei bastante. Espero que vocês apreciem também.

Você volta?

Um dia qualquer de Fevereiro,

Amigo,

Estava indo para o trabalho quando o rádio tocou aquela música que nós adorávamos. Será que você lembra? Não sei, porque quando olho para você, sei que é seu rosto, ele não mudou muito, mas de alguma forma, sinto que não é a mesma pessoa, que partiu sem me avisar, deixando-me o consolo de um invólucro vazio com seu rosto e sua digital.

Enquanto a música tocava, arrastando-se por bem mais que quatro minutos e meio na minha mente, eu resgatava com cuidado carinhoso as memórias que guardei de nós dois. Seguro-as bem firme entre os dedos do meu íntimo, tenho medo que elas fujam de mim assim como você fez, que elas percam a essência assim como lhe aconteceu. São tão doces e frescas, tem até gosto, olha que maluquice, as memórias com gosto! de um pêssego fresco, recém lavado, compartilhado, eu e você, uma mordida de cada vez, como já fizemos outrora. E que outrora delicioso de se viver e reconforte de lembrar! Porém, se eu me der ao trabalho de perguntar de qualquer um daqueles dias que passaram, deixando apenas esse gosto frutal, você não se lembrará, dará de ombros e continuará com seu trabalho e sua vida. Longe de mim, mesmo que a uns cinco quarteirões da minha casa.

Quando por acaso, porque você nem faz mais tanta questão, nos cruzamos pela vida, vejo que sua boca é a mesma, mas sua voz mudou de tom. Sombrio, cansado, sério e até mesmo aprisionado. Nossas breves conversas estão longe de serem ternas, são formais como se algo nos tivesse separado com uma faca sutil. Mas que foi esse algo, onde no caminho eu adormeci para não perceber, quem de nós errou e quem de nós dois empunhou tal faca cruel? Se fui eu, não queria e se foi você, diga-me agora por que, será que podemos juntar as bordas do corte e cicatrizá-lo, para fazermos parte da mesma realidade de novo? Não, não... ainda que as bordas se juntem, uma cicatriz é sempre uma cicatriz e nunca o tecido original, assim, sua função, que seria nossa felicidade, nunca mais seria recuperada...

Sim, estou transbordando de saudade nessa manhã mais intensa do que deveria e estou também coberta de dúvida e de mágoa, seria tão bom ter você como antigamente, sentado ao meu lado, mesmo que em silêncio pacífico, imerso em pensamentos só seus, observando as estrelas no céu de uma noite quente demais para ficarmos dentro de casa, mas ainda sim fria demais para ficarmos sós! Entre um comentário tolo e outro, você riria sem pressa, olharia-me nos olhos e me daria aquela paz estranha que dominava meu ser e dizia: estarei aqui sempre do seu lado, seja como for, seja quando for. Seus olhos mentiram, não é mesmo? Não, não o fizeram, eles ainda me olham, mas são vazios e distantes, tão distantes como aquelas estrelas que observávamos...

Foi de repente. Um dia eu olhei para você e adivinha? Não estava mais lá! Fiquei confusa, achando que era coisa da minha mente, eu estava tão confusa naquela época, tão perdida em sonhos e frustrações... E justo aí, fiquei sem você e me perdi ainda mais. No começo senti raiva, queria nunca mais ver seu corpo, já que defini-lo como você seria errado. Gostaria de nunca tê-lo conhecido e mais, nunca ter nutrido tamanho sentimento e afeição por alguém tão insensível quanto você.

Mas com o tempo, e agora a única coisa que quero é sua pessoa, inteira, de volta. Como disse, estou morrendo de saudade, parece que junto com você foi também um pedaço de mim. Que injustiça...além de perdê-lo, também fiquei sem uma grande parte de mim: a parte que sonhava, que ria com descontração, que adorava pêssegos, contar estrelas, dar nome às nuvens e amar sem fim um sem fim de coisas...

Será que você volta? Às vezes gosto de pensar que você tirou férias do seu corpo, longas, mas férias sempre acabam, porque o trabalho sempre chama de volta à casa. O trabalho ou a rotina, ou qualquer outra coisa, no caso quem chama sou eu. Preciso mesmo de sua companhia, preciso olhar nos seus olhos e vê-los cheios, mesmo que eu não entenda nada, mas vê-lo completo, corpo e alma... e tudo isso, não meu, mas comigo.

Você volta?

Bianca Gregorio

Até a próximo conto!


21.10.09

Esse conto foi escrito para o concurso de um blog e o tema era: O Lado Negro da Mente Humana. Depois de muito quebrar a cabeça e de uma leve insolação, ele surgiu rs. Infelizmente não ganhei o concurso, mas está aí para quem quiser saborear um pouco de maldade.

Quando a Caixa se Abre.

Adriana era uma mulher pacata. De rosto doce a maternal, trejeitos de borboleta. Um exemplo de mãe e esposa, invejável. Era o orgulho do marido, que a chamava de “meu bem” quando chegava em casa, beijava-lhe carinhosamente o rosto enquanto afrouxava a gravata e contava-lhe sobre seu dia. Os filhos, lindos como anjos, não podiam ser melhor tratados, com todo mimo de uma verdadeira rainha do lar. No trabalho, como secretária, era muito bem quista por todos, sempre eficiente, gentil, olha gente, fiz um café fresquinho para nós! Adriana era uma linda caixinha de jóias, talhada a marfim e ouro branco.

Mas sendo uma caixa, tinha seu conteúdo escondido debaixo da tampa e este não era toda benevolência que era esperada. Ninguém sabia, e nem ela percebia por vezes, o que havia dentro de seu coração. Ela odiava. Cem vezes por dia, era uma explosão de ódio por debaixo do decote discretíssimo.

Do trabalho, tinha verdadeira repulsa. Das meninas, mais jovens e mais bonitas que ela, cheias de energia e futilidade, saracoteavam aqui e ali, fofoquinhas, intrigas, coisa pequena, mesquinha, muitas oferecendo sua juventude ao chefe bonitão em troca de um aumento. Derretiam-se todas por ele, que nem era tudo aquilo, pois ela sabia, enquanto as jovenzinhas se arrumavam, metendo-se em mini saias e saltos altos, ela tinha provado antes, em silêncio. E tinha detestado, um fraco, prepotente, grosseiro. Só de pensar nele, subia-lhe o ódio, o estômago revirava-se.

O marido, um frouxo. Como pudera escolher tão mal? Preferia até seu chefe àquela criaturinha passiva, carinhosa, melosa, sem um pingo de vida no sangue. Mas a culpa era dela, daquilo que acabou sendo. Foi criada assim, para ser perfeita, doce, angelical e infeliz. Pois dentro daquele corpo recatado corria tudo que a mãe e as amigas puritanas sempre detestaram, todo o lado negro da sociedade, o abominável.

O ódio é que a fazia respirar, porque não conhecia amor por nada, alegria em nada, só o descontentamento de dia após dia, acordar os filhos que nem pareciam dela, que a olhavam como se fosse uma estranha, que preferiam o pai, que eram tão inteligentes e impecáveis, sempre cheirando a limpeza, mas por Deus, eram tão frios! Deviam ser como ela, violentos, cheios de coisas horrendas palpitando dentro e isso ninguém devia saber, que escândalo seria! Depois, o trabalho, o trânsito insuportável, chegar em casa e cozinhar, só esperar por aquele beijo manso e odioso e a mesma conversa fiada, ah, meu bem, ela detestava que a chamasse assim, estou tão cansado! Depois o jantar, a TV que trazia mais tédio, deitar os filhos na cama e depois ir para sua, às vezes dormir desejando nunca mais acordar, às vezes sentindo aquele corpo macilento dentro dela, te amo, meu bem, você é tudo para mim... Ah, ela queria gritar que fosse para o inferno com sua ternura estúpida, que lhe fizesse mulher, que houvesse violência, que houvesse ao menos um pouco de prazer, para que deitar ao lado dele e sentir o cheiro enjoativo da sua loção pós barba não fosse a coisa mais apavorante do mundo!

Mas uma noite, em que dormiu chorando, mas chorando de ódio, veio o diabo sorrateiro abrir a linda caixinha talhada com ouro branco e marfim e todo mal estava feito.

Demorou uma semana inteira planejando. Detalhe por detalhe, deliciando-se com eles. Era sua chance, finalmente a liberdade, coberta de sangue e maldade, como devia ser, desde o começo. Seria sua vida apenas, para fazer dela o que bem quisesse. Trocaria de nome, de rosto, morreria para o mundo que a criou infeliz e nasceria novamente mesmo que fosse cair diretamente no inferno, porque nada era pior que seus dias calmos de abelha rainha.

Sexta feira ensolarada, pegou os filhos na escola e quando chegaram, o derradeiro bolo de chocolate estava na mesa. Ah, mãe, que delícia, muito obrigada! Foram doces até ali, como se soubessem dos planos da mãe. Sentiram sono, vão se deitar, meus anjinhos, estão cansados de brincar, não é? Beijou cada um na testa com carinho, pela última vez e os assistiu com verdadeiro prazer, dormir e ir direito para o céu, inferno, para o outro mundo, bem longe dela! Ria loucamente, enquanto que com uma faca afiada, retirava pedacinhos para o ensopado do marido. O pouco que restou de seus filhos, frutos de seu ventre diabólico, colocou no porta-malas. Enquanto preparava a refeição para o marido, fazia as malas, só levando o necessário, não queria mais nenhuma daquelas roupas, nada mais dessa morte que insistiam em chamar de vida, e boa, ainda por cima. O marido chegou, o mesmo ritual, o beijo, meu bem, que cheiro delicioso! Enquanto ele arrumava a mesa, dedicado e querendo só o melhor para sua linda esposa, ela terminava, com uma pitada de orégano e outra de fim. Ele comeu até fartar-se, elogiou, mas de repente, começou a sentir-se mal, sentir o mal, ai, que dor, meu bem, estou estranho! Deita aqui no sofá, eu cuido de você. E ela assistiu o marido, carcereiro de sua prisão, retorcer-se de dor, agonia, pânico, a morte lampejando nos olhos cheios de lágrimas, sem entender, enquanto ela se contorcia de prazer, de gozo, enfim, dá-me as chaves que quero ir embora para sempre! Quando as contrações pararam, seus olhos arregalados derramavam uma última lágrima, cobri-o com seu avental com delicadas rosinhas pintadas a mão pela sogra, soltou o coque, pegou as malas e foi para qualquer lugar onde podia ser o que mais queria: puta, devassa, maldita.


Até a próxima!

1.5.09

A Hora do Ocaso

Deveria ser um livro, mas a vida tornou-o apenas um capítulo.

Vinha descendo a noite sobre a cidade; nem quente, nem fria, apenas a noite. Não se via nenhuma estrela São Paulo não as permitia. Ela, sem nome, sentia falta delas. E por que não dizer que de algo mais?
Ele, esperava sem esperar. Tentava em vão, achar superficialmente os braços e abraços daquela menina. Intensa e profundamente, procurava algo que suspeitava, muito pesarosamente, não estar mais lá. Tinha medo, muito dele, mas não se encolhia nele.
Os olhos firmes dela, que de tão doces eram também tão distantes, fugiam no horizonte e contavam os carros: dois Corsas, um ônibus lotado, alguns Gols e várias motos. Contava também as horas que faltavam e as palavras que não vinham. Sentia não medo; na sua dura resignação não havia espaço para a dúvida, mas sim se sentia carrasca com machado em mãos, sentia o frio de suas palavras não ditas aos 27o C de um ocaso de outono.
Tinha que dizer-lhe sem demora nos próximos minutos. Tinha porque era obrigação: para com ele, para com ela, para com tudo que ainda lhe era caro. Não havia espaço para mentiras ou meias-verdades, não depois de tantos quilômetros e um sem fim de palavras percorridos.
Esse mesmo sem fim de palavras explodiam em sua cabeça como um novo big bang! E o que restava era um pó de estrelas que lhe velavam a alma, que diziam que era tão certo o que sentia que devia ser verdade. Mas era complexo para ela, até mesmo para ela, transformar esse pó de estrelas em palavras. Sabia que igual fenômeno aconteceria com aquele que segurava suas mãos cheio de amor. Só que haveria naquele outro mundo distante uma chuva de meteoros cor de fogo, que além da cor teriam também o calor e o ardor, queimariam não somente os olhos a beira das lágrimas como chamuscariam a alma inteira daquele menino com rosto de homem. Pois, no fim das contas, para sua infelicidade, era aquilo mesmo: uma grande inversão de papéis.
Queria ter de novo 16 anos, não para resgatar o sentimento que nela morava naquela tenra idade, já tinha desistido, não sem lutar, desse feito, mas sim poder gritar-lhe qualquer coisa impulsiva, suma! desapareça! e até mesmo isso lhe fora tirado. Sua poeira de estrelas era constelação organizada, e sem seus olhos podia-se ler que eram considerações, sentimentos e satisfações por demais para se dar ao luxo de uma infantilidade. Porém, não se sentia injustiçada ou tampouco triste. E isso, era também amargo e lhe embargava as palavras
_Escuta, tenho algo a lhe dizer. Não sei como, mas sei que tenho. Tentarei ser clara, mesmo que pareça cruel. Mas juro que não sou: sou qualquer coisa menos a megera incompreensiva que um dia pensei ser.
O corpo grande dele diminuiu. Viu a tempestade castanha muito escura se formar nos olhos dela. E não tinha abrigo ou guarda-chuva. Teria que enfrentar cada pingo espesso ou chuva com sua própria alma, exposta e vulnerável. Sentiu-se ridículo ao se perceber tremendo. Sentiu-se patético ao ver que lágrimas se anunciavam. E sentiu-se mortalmente triste por ter ouvidos e mais; coração.
Era injusto o que via a sua frente. Por onde andara aquela menina para se tornar tão mulher? Aquela iniciativa firme, seu tom de voz sem tremor, ainda que com uma ternura quase maligna, o que foi feito dela e por que ninguém se dignou a notificá-lo? Desarmado, percebeu-se mortificado por saber, mesmo que sem querer, que era ele o grande responsável por aquilo que vinha ao seu encontro. Ela e suas palavras, ela e sua força, ela que sofrera tanto por ele, mas aprendeu a se levantar e a se impor. Não vivo por carência, só vivo por amor. Não vivo pelo passado, só vivo por agora.
_Não há mais jeito, não quero, não quero agora, agora de jeito nenhum. Doi-me a alma dizer-lhe isto, Deus sabe o quanto eu te amei; por quantas noites chorei sem saber porquê, sabendo que era você e por quantos dias eu senti saudade das coisas que não foram? Mas agora eu sei que não serão. Morri quando você me deixou tão covardemente; morri e fiquei morta por vontade, minha alma falecida ainda te queria e isso me bastava. Mas a vida não quis assim, ergueu-me, mostrou coisas maravilhosas e por fim me trouxe paz. Você é muito caos para meu mundo, seu jeito incorrigível, amargo. Eu só preciso de paz, mesmo que silenciosa e solitária. Um dia escrevi: só preciso da paz. Da paz dos olhos de quem morre por amor. Ah, como me enganei! Eu ainda só quero a paz dos olhos, mas não é de quem morre, é de quem vive por amor! Meu caro, não tenho medo de dizer-lhe: foi o amor da minha vida. Porém, mudei de vida e nela não há espaço para nosso amor.
A extrema sinceridade e fervor de suas palavras eram um ataque cardíaco fulminante. Sentiu, no auge de seus 23 anos, a alma escorrer límpida e líquida pelos olhos. No rosto dela a tranqüilidade de quem abriu seu coração e um quê de preocupação: não era carrasca, era somente ela mesma e tinha o direito que todos nós temos: tentarmos ser felizes. E para provar a boa vontade de sua tão fria crueldade, abraçou-o forte e enxugou algumas de suas lágrimas.
Ele foi embora depois de uma longa conversa, o rosto vermelho e encharcado, 5 anos mais velho, arrastando paletó, corpo e alma. Sentia-se derrotado e infestado de sentimentos, inclusive o amor que foi a última coisa que jurou a ela.
Ela saiu com um sorriso no rosto, não zombeteiro, nem feliz ou entristecido, era o sorriso de quem se conclui. Saiu sim para nunca mais voltar e foi embora para nunca mais sentir saudades.

Até a próxima!