_ Mas a estação das flores não era a primavera? Todas as estações em um dia só, não soava assim?
O dia em que terminei de escrever esse conto foi muito especial. Luz de velas, muito frio e flores amarelas. Coisas de gente maluca. Mas as personagens agora esperam, por algo muito maior do que realmente parece ser, enquanto observam " todas as estações em um dia só".
Fora de Estação.
Pt.2
Olharam em volta, não faziam a mínima idéia de onde estavam. Riram, deram meia volta e fizeram o caminho contrário, mas evitaram passar muito próximos do amigo de Carlos, que agora ressonava discretamente, a cabeça pendida no peito, as mãos enfiadas no bolso da casaco marrom. Ângela confidenciou a Carlos:
_ Aposto que aquele casaco é presente da tia avó!
_ Deixe a pobre em paz, tá certo?! _ mas Carlos sorriu, revirando os olhos, entretido com as idéias estranhas da amiga. _ Que tal um café? Você paga.
_ Hum, apesar do convite tentador, acho que não, acabei de almoçar. Que tal voltarmos ao carro? Com essa horinha que temos, posso até dar uma boa cochilada.
_ Uau, parece muito emocionante! Mas me conte, não anda dormindo direito?
_ Muito trabalho, preocupações, o estresse de sempre...
Enquanto conversavam a conversa morna e despreocupada de bons e velhos amigos, atravessaram a estação e finalmente sob o sol das duas horas de uma bonita tarde de inverno, alcançaram o carro vermelho estacionado do outro lado de uma grande e florida árvore.
_ O banco de trás é meu! _ adiantou-se Ângela e abrindo a porta.
_ Ok, vá lá, dorminhoca. Posso caçar algo no rádio?
_ À vontade.
Ela deitou-se no banco traseiro, dobrando as pernas, torcendo o corpo tentando arrumar-se em uma posição mais confortável.
_ O carro do meu pai era bem maior e bem mais aconchegante, sabe?
_ Você é que cresceu, garotona...
Não contente, a jovem virou-se umas três vezes no banco, depois de ter tirado seus sapatos de salto alto e finalmente deu-se por vencida, largando-se do jeito que estava. Respirou fundo, verificou o relógio. Uns quarenta minutos ainda, tinha um bom tempo para descansar os olhos do cansaço que tirava um pouco as cores de seu rosto ultimamente. Fechou os olhos, ouvindo sons suaves, como de carros há duas travessas acima e as tentativas nada bem sucedidas de Carlos sintonizar em alguma estação. Só se ouvia estática. O sol que entrava pela janela esquentava seus tornozelos nus. Era um inverno um tanto estranho aquele. No dia anterior saira de casa com uma de suas blusas mais grossas, meias até os joelhos e com o guarda chuva no porta-malas. E agora, aquele sol escaldante, o céu tão azul e sem nuvens... observava, já que abrira os olhos pois a mente simplesmente não desligava apesar de todo cansaço do corpo, a paisagem acima de sua cabeça. Adorava aquelas flores, de onde se lembrava delas? E a árvore estava carregada e ainda abarrotavam a calçada! Mas a estação das flores não era a primavera? Todas as estações em um dia só, não soava assim? Coisas desses tempos malucos... era o apocalipse chegando, diria sua tia avó. Não é que ela mesma tinha uma esquisita tia avó? Riu.
_ Ri de quê?
_ De uma tolice que me lembrei... estou com os tornozelos queimando nesse sol!
_ Meus ombros estão em chamas também... ainda mais nessa parte do carro. Quer saber? Chega pra lá! _ Carlos abriu a porta e saiu do carro se espreguiçando um pouco. Ela se levantou com um pouco de dificuldade e deu espaço para o amigo sentar-se.
_ Uau, aqui tem uma pseudo sombrinha! E você ainda reclama dos seus tornozelos, não imagina como o sol estava lá na frente!
_ E o rádio, preguiçoso? Desistiu de sua missão?
_ É... simplesmente não sintoniza. Está de mau humor assim como esse tempo. Meio...
_ Fora de estação.
_ É... bem por aí. _ Carlos despiu a jaqueta preta que usava. _ Talvez agora eu esfrie um pouco.
_ Como você é esperto! Com esse casaco super grosso debaixo do sol... depois não quer sentir calor?
_ É que não gosto muito dessa camisa que estou por baixo. Deixa-me velho.
_ Você é velho, Carlos. Aliás, nós somos.
_ Nem tanto... _ virou o pescoço e analisou, coçando o queixo com um sorriso perverso. _ Mas bem que você está acabadinha!
Ângela acertou-lhe um tapa no braço e virou-se para observar a rua. Prendeu-se à árvore. Aquelas flores, tão lindas, caindo serenas, uma após a outra, no asfalto. Uma tarde fora de estação, mas tão bela... desejou que houvesse algo para ouvir no rádio, uma canção... mas qual? O silêncio era agradável, sempre o fora entre aqueles dois, mas havia uma qualquer coisa que a perturbava naquela tarde. Estava inquieta, era isso. Mexeu-se no banco, olhou para o relógio, ainda meia hora!, e finalmente pousou o olhar em Carlos, que também prestava atenção em algo fora do carro. Tinha um semblante pensativo e sem que ela notasse, igual ao dela.
_ Quanto tempo?
_Hein?
_Há quanto tempo ele está fora?
_ Ah, umas duas semanas, se não me engano...
Continua...
Ao som de ... Muse - Super Massive Black Hole