19.2.08

_ Mas a estação das flores não era a primavera? Todas as estações em um dia só, não soava assim?

O dia em que terminei de escrever esse conto foi muito especial. Luz de velas, muito frio e flores amarelas. Coisas de gente maluca. Mas as personagens agora esperam, por algo muito maior do que realmente parece ser, enquanto observam " todas as estações em um dia só".

Fora de Estação.

Pt.2

Olharam em volta, não faziam a mínima idéia de onde estavam. Riram, deram meia volta e fizeram o caminho contrário, mas evitaram passar muito próximos do amigo de Carlos, que agora ressonava discretamente, a cabeça pendida no peito, as mãos enfiadas no bolso da casaco marrom. Ângela confidenciou a Carlos:

_ Aposto que aquele casaco é presente da tia avó!

_ Deixe a pobre em paz, tá certo?! _ mas Carlos sorriu, revirando os olhos, entretido com as idéias estranhas da amiga. _ Que tal um café? Você paga.

_ Hum, apesar do convite tentador, acho que não, acabei de almoçar. Que tal voltarmos ao carro? Com essa horinha que temos, posso até dar uma boa cochilada.

_ Uau, parece muito emocionante! Mas me conte, não anda dormindo direito?

_ Muito trabalho, preocupações, o estresse de sempre...

Enquanto conversavam a conversa morna e despreocupada de bons e velhos amigos, atravessaram a estação e finalmente sob o sol das duas horas de uma bonita tarde de inverno, alcançaram o carro vermelho estacionado do outro lado de uma grande e florida árvore.

_ O banco de trás é meu! _ adiantou-se Ângela e abrindo a porta.

_ Ok, vá lá, dorminhoca. Posso caçar algo no rádio?

_ À vontade.

Ela deitou-se no banco traseiro, dobrando as pernas, torcendo o corpo tentando arrumar-se em uma posição mais confortável.

_ O carro do meu pai era bem maior e bem mais aconchegante, sabe?

_ Você é que cresceu, garotona...

Não contente, a jovem virou-se umas três vezes no banco, depois de ter tirado seus sapatos de salto alto e finalmente deu-se por vencida, largando-se do jeito que estava. Respirou fundo, verificou o relógio. Uns quarenta minutos ainda, tinha um bom tempo para descansar os olhos do cansaço que tirava um pouco as cores de seu rosto ultimamente. Fechou os olhos, ouvindo sons suaves, como de carros há duas travessas acima e as tentativas nada bem sucedidas de Carlos sintonizar em alguma estação. Só se ouvia estática. O sol que entrava pela janela esquentava seus tornozelos nus. Era um inverno um tanto estranho aquele. No dia anterior saira de casa com uma de suas blusas mais grossas, meias até os joelhos e com o guarda chuva no porta-malas. E agora, aquele sol escaldante, o céu tão azul e sem nuvens... observava, já que abrira os olhos pois a mente simplesmente não desligava apesar de todo cansaço do corpo, a paisagem acima de sua cabeça. Adorava aquelas flores, de onde se lembrava delas? E a árvore estava carregada e ainda abarrotavam a calçada! Mas a estação das flores não era a primavera? Todas as estações em um dia só, não soava assim? Coisas desses tempos malucos... era o apocalipse chegando, diria sua tia avó. Não é que ela mesma tinha uma esquisita tia avó? Riu.

_ Ri de quê?

_ De uma tolice que me lembrei... estou com os tornozelos queimando nesse sol!

_ Meus ombros estão em chamas também... ainda mais nessa parte do carro. Quer saber? Chega pra lá! _ Carlos abriu a porta e saiu do carro se espreguiçando um pouco. Ela se levantou com um pouco de dificuldade e deu espaço para o amigo sentar-se.

_ Uau, aqui tem uma pseudo sombrinha! E você ainda reclama dos seus tornozelos, não imagina como o sol estava lá na frente!

_ E o rádio, preguiçoso? Desistiu de sua missão?

_ É... simplesmente não sintoniza. Está de mau humor assim como esse tempo. Meio...

_ Fora de estação.

_ É... bem por aí. _ Carlos despiu a jaqueta preta que usava. _ Talvez agora eu esfrie um pouco.

_ Como você é esperto! Com esse casaco super grosso debaixo do sol... depois não quer sentir calor?

_ É que não gosto muito dessa camisa que estou por baixo. Deixa-me velho.

_ Você é velho, Carlos. Aliás, nós somos.

_ Nem tanto... _ virou o pescoço e analisou, coçando o queixo com um sorriso perverso. _ Mas bem que você está acabadinha!

Ângela acertou-lhe um tapa no braço e virou-se para observar a rua. Prendeu-se à árvore. Aquelas flores, tão lindas, caindo serenas, uma após a outra, no asfalto. Uma tarde fora de estação, mas tão bela... desejou que houvesse algo para ouvir no rádio, uma canção... mas qual? O silêncio era agradável, sempre o fora entre aqueles dois, mas havia uma qualquer coisa que a perturbava naquela tarde. Estava inquieta, era isso. Mexeu-se no banco, olhou para o relógio, ainda meia hora!, e finalmente pousou o olhar em Carlos, que também prestava atenção em algo fora do carro. Tinha um semblante pensativo e sem que ela notasse, igual ao dela.

_ Quanto tempo?

_Hein?

_Há quanto tempo ele está fora?

_ Ah, umas duas semanas, se não me engano...


Continua...


Ao som de ... Muse - Super Massive Black Hole

1.2.08

_ "E há horário para tudo, comer, beber, dormir, trabalhar, dançar, cantar, amar, e até mesmo para sonhar! "

Uma história bem fofinha. Porque sonhar faz bem às vezes.

Fora de Estação

Pt. 1


_Temos dois minutos.
Seus olhos fixos no relógio digital. Os segundos iam passando, ansiosos ou apreensivos? Só sabia que corriam, rápidos como os tempos modernos. E ela era uma filha orgulhosa dessa época, a vida e os sonhos acorrentados ao relógio e os olhos em busca dos números multicoloridos, tão atrativos, piscando para nos lembrar que a vida é cada vez mais curta, que envelhecemos cada vez mais e que simplesmente não temos controle sobre a situação. E como escapar se aqueles malignos estavam em todos os lugares? Nas paredes, nos computadores, nos passos apressados, nas cabeceiras e debaixo dos travesseiros, nos bolsos, na televisão, na voz incansável do locutor dos rádios, nos pulsos, nas praças, em vitrines e até nos sinos das igrejas. E há horário para tudo, comer, beber, dormir, trabalhar, dançar, cantar, amar, e até mesmo para sonhar! Só não sabemos a hora em que morreremos e estamos sempre esperando por ela, fingindo que podemos adiá-la...
_ Dez segundos, nove, oito, sete, seis, cinco, quatro, três, dois... um! Vamos?
Saíram do carro, e calmante atravessaram a rua que os levava até a estação de trem. Estava agitadíssima, pessoas enchiam de vida e movimento a grande e charmosa construção de tijolos vermelhos, tão antiga quanto aquela cidade. Pessoas andavam muito apressadas, algumas até corriam, cheias de todo o tipo de malas e mochilas. Diversas eram também aqueles que as carregavam, seus rostos tão ricos em expressões, algumas aflitas, um pouco de cansaço emoldurando os olhos de uns e uma alegria esperta nos olhos de outros. Uma distraída e tipicamente perdida jovem de cabelos muito curtos trombou com Ângela, que não pode fazer outra coisa a não ser rir da garota com um mapa prestes a cair do bolso do casaco desbotado que um dia fora... azul? Mas eles andavam tranqüilos, estavam no horário e era até bom observar toda aquela gente passando depressa por seus olhos. Quando mais jovem, ela podia perder uns minutos sentada apenas tentando adivinhar o destino de cada uma daquelas pessoas, até mesmo suas vidas. Algumas simplesmente passavam despercebidas com seus rostos impessoais, outras chegaram até mesmo a tirar seu sono.
Procuraram a plataforma onde ele deveria chegar e com a ajuda de um guarda gordo e de cabelo muito grisalho que escapava por baixo do boné, acharam sem maiores dificuldades. Porém, não havia trem algum por lá, apenas algumas pessoas com semblantes aborrecidos. Carlos aproximou-se de um senhor.
_ Que há, amigo? O trem não deveria ter chegado?
_ Pois é, veja que atrasou! Estou esperando pela minha insuportável tia avó há um tempinho já e agora mais essa! O trem teve um problema, não me pergunte qual, por lá mesmo e vai demorar no mínimo uma hora! Não é um absurdo? Como se eu não tivesse mais nada para fazer da vida...
Virando as costas para os dois homens discretamente, Ângela riu baixinho enquanto fingia observar os trilhos vazios. Carlos sorriu para o homem que foi sentar-se em um dos bancos e o deixou, apromixando-se de Ângela, tocando seu braço de leve. Ela sem perguntar nada, começou a andar sem direção sendo seguida por Carlos, apenas esperando uma distância segura.
_ Que amigo mal humorado você foi arranjar, hein?_ Ângela ria agora mais abertamente, mais ainda checando por cima do ombro do amigo se o homem não os observava, contudo ele parecia muito mais interessado em uma jovem de vestido vermelho que passava pela plataforma. _ Tia avó?!
_ Ah, nem me fale! Tive medo de o homem começar a contar histórias sobre a velha! E sabe do pior?
_ Não?
_ Tenho certeza que alguém aqui, muito esperta, _ puxou-a pelo braço e o beliscou de leve _ deixaria esse pobre mortal lá, ouvindo como a maldosa tia avó do meu novo amigo nunca fazia biscoitos para ele!
_ Eu? Nunca! Sabe muito bem que é de minha natureza acompanhar meus amigos, mesmo aqueles que me beliscam _ ela agora revidada com um doído beliscão em seu abdome _ em todos os
_ Ei, sabia que isso doeu?
_ Ótimo. Era a intenção. Mas... para onde estamos indo, afinal?



Continua......


Ao som de ... Queen - Who Wants to Live Forever