13.8.10

Fulana

A coisa que mais me irritava nela era o fato de estar sempre na terceira pessoa.

_ Faz tal coisa para Fulana?

_ Fulana disse tal coisa...

_ Mas a Fulana já pediu para você!

_ Fulana está tão cansada hoje!

Oras, Fulana, quem é você senão um eu? Senão uma pessoa? Por que excluir você de tudo e se tratar como um outrem, estranho?

Chateava-me o fato de ser sempre tão melindrosa e seu riso esganiçado de crítica. Por que, Fulana, se tem opinião, escondê-la com pura ironia e doçura? Fingir que é um cordeiro quando sabem que é um lobo?

Várias vezes tive vontade de esganá-la, agredi-la com o primeiro grampeador que me estava a mão. Mas esse impulso violento se convulsionava em um totalmente oposto: de abraçá-la. Pois aquele ser que vivia em terceira pessoa era digna de pena e não de ódio.

Vivia tentando ser aquela Fulana: não podia aceitar o fato de ser um poço de amargor, por isso se disfarçava de modo falho em cordeiro. Mas uma semana ao seu lado e já se sabia que podia se esperar a mordida ao calcanhar. Seu disfarce e seu eu eram todos um grande erro de concordância. Fingia ser mulher de família e mãe compromissada, quando era por natureza uma prostituta em busca de status. O marido era uma peça complicada de sua vaidade, mas sequer o ostentava mais. A filha, era um peso, nunca satisfazia, nunca era suficiente.

Seu ego era tão grande, vaidoso, que de certo não cabia em um eu. Tinha que ser ela, ela, ela. Ela era o que queria sempre ser, mesmo que a máscara só enganava a si própria. O eu, ninguém conhecia na sua imaginação. Aquela que não respeitava família alheia, horário de almoço, que gastava na cama de um velho que nem sexualmente a satisfazia. Eu, era um poço de adrenalina, eu caia num escândalo, eu era espancado com a porta de um carro e ia parar na delegacia. Ela, ela trabalhava corretamente, você já fez o que Fulana pediu, Fulana já terminou o serviço até de segunda!

Mas o eu, ela, Fulana, o cordeiro e o lobo, trocando de personalidade, de pronome do caso reto, de espécie, todos infelizes, solitários. Minha mão de observadora sentia o peso do grampeador, arma do crime, aliviar. Enchia-me de tristeza por Fulana.

Por ela que não sabia dizer eu.