28.2.12

Um dos meus contos atuais favorito. Aliás, queria um dia vê-lo virar um curta rs.


Azuis da cor do céu

O essencial é invisível aos olhos

Eu sou um cara tímido. Quietão, na minha. Lidar com mulheres sempre foi complicado. Não porque são mulheres; mas porque são pessoas primeiramente. Sei lá por que, só sei que sou assim e pronto.

Gosto de ficar na minha olhando as pessoas passarem, viverem, conversando. É um verdadeiro prazer poder estudá-las, seus gestos, seus sorrisos, o caminhar de cada uma delas. Por isso gosto de ficar nessa praça na hora do almoço, depois de comer, sentar, às vezes só olhando, às vezes com um livro debaixo do braço. Tem um parquinho modesto no centro, está sempre cheio de crianças serelepes gritando e correndo para cima e para baixo. Elas me fazem sorrir. E uma mãe ou babá bonita também. Algumas vezes, gosto de me sentir invisível, só olhando, quase que um vampiro, sugando a energia vital daqueles seres amáveis. Um sujeito estranho, eu sei, eu sei...

Foi numa dessas horas, disfarçando que lia, que a vi. Estava quase do outro lado da praça, majestosamente sentada. Sim, majestosa, pois que altivez tinha a postura daquela mulher! Usava óculos escuros e parecia ali, como eu, uma mera expectadora da vida alheia. Tinha um rosto lindo de doer, um nariz fino de princesa, um cabelo longo e ondulado que lhe caia pelos ombros. Vestia-se elegantemente, um casaco negro com botões prateados. Não conseguia me cansar de olhá-la, admirá-la, desejá-la. Meu horário de voltar ao trabalho chegou e tive que deixá-la, ainda que com medo de nunca mais vê-la.

Nos dias seguintes, nas semanas seguintes, vez ou outra lá estava a mulher que eu não me cansava de olhar. A pracinha perdera até a graça, mesmo com suas pequenas árvores bem cuidadas, seus canteiros de mato crescido e flores começando a nascer. O barulho das crianças parecia um suspiro suave que se juntava ao coro de carros na avenida próxima, tão longe e delicado, que eu só escutaria se prestasse atenção. Mas eu não queria prestar atenção no que passava a minha volta mais; meu olhar ficava perdido nela, tão grave, simplesmente fascinante.

Eu queria saber tudo sobre ela. Gostaria de saber seu nome, sua cor favorita e a rua onde morava. Ela tinha medo de altura, gostava de lasanha? Queria saber que gosto tinham aqueles lábios tão perfeitamente desenhados, se ela se arrepiaria quando eu respirasse na sua nuca, se suas mãos eram quentes e macias, como ela dormia ou como saía do banho. E quanto mais eu a observava ao longe, mais eu queria saber, mais eu a queria inteira, só para mim. Será que era casada? Não, não usava uma aliança pelo menos. Mas poderia ser de outro, e o que eu faria então? Que ciúmes eu fiquei um dia, só de pensar em outro homem a abraçando, sentindo o perfume de seus cabelos tão lindos, tão inebriantes... que inveja! Senti até meu rosto corar e fui embora, envergonhado, querendo lhe pedir desculpas pela minha indiscrição.

Dois meses. Dois meses que eu já almoçava e ia praticamente correndo para a pracinha. Dois meses que a conhecia. Ah, conhecia... eu sentia como se a conhecesse há anos, como velhos amigos e ainda futuros amantes. Acho que já tinha decorado cada traço do seu rosto, cada movimento voluntário e involuntário dela. Ela só sorria, que sorriso lindo, ainda que ligeiramente triste, quando alguma criança passava correndo e rindo por ela. Porém, às vezes, lembrava que éramos totais desconhecidos. Sentia-me de fato invisível. Nunca a peguei olhando para mim. Ou se o fazia, era discreta. Eu gostava de acreditar nessa discrição, afinal, era bem típico dela. Aposto que quando eu baixava os olhos para fingir que lia alguma coisa, ela me olhava. Sabia que eu existia? Ah, que prazer seria! Eu sonhava que ela também tinha me decorado, me conhecia e me recitava de cor. E me amava e desejava. Meu Deus, desesperei-me ao me perceber totalmente apaixonado por aquela mulher misteriosa. Apaixonado! Eu nem sabia o nome dela!

Aquilo era cansativo, uma luta, um amor platônico que estava acabando comigo. Eu estava obcecado e tinha vergonha de mim. Tinha vergonha de me olhar no espelho. Até com cara de doente fiquei. Emagreci, enlouqueci, perdi o rumo de casa. E também me odiava por ser incapaz de arrastar meu corpo até lá e falar com ela. Era séria, tudo bem, mas eu podia tentar conversar. Não é isso que as pessoas fazem? Mas eu me achava tão pouco... tão sem graça fisicamente, tão nervoso para conversar com uma mulher, que a voz mal me acompanhava! E se ela fosse dura comigo? E se me achasse um tarado qualquer, que a perseguia há meses! Chamasse a polícia? Nunca mais eu sairia de casa de tamanha vergonha! Ai, tanta coisa que estuda-la se tornou uma coisa boa, mas que doía, pois mexia com tantos sentimentos mal resolvidos dentro de mim...

Cheguei ao meu extremo. E nesse extremo, criei coragem. Passasse mais um dia, não restaria mais alma no meu corpo para contar história. Só umas cinzas de mim. Naquela tarde, com um sol mortiço embaçado por nuvens cinzentas, não me sentei ao meu banco. Fui em direção a ela, que meu Deus, me fez tremer nas bases, tão divina estava. Usava um cachecol verde, tão macio, emoldurando seu rosto. O semblante era duro, olhava para o parque com seus óculos escuros. Quando cheguei ao seu lado, não fez muito da minha presença. Um vento frio que escorregou pela minha espinha, me fez ir em frente e não correr como um covarde.

_ Com licença, posso me sentar aqui?

_ Claro.

Sua voz tinha a mesma dureza da sua expressão, mas era muito agradável. Poderia passar dias e dias a ouvi-la. Nos meus devaneios doentios, imaginei mil vozes, menos aquela. E era melhor, era confortável, era... segura. Como um abraço.

Relaxei.

_Você trabalha por aqui? É que a vejo sempre aqui na pracinha, sentada nesse banco.

_ Sim, bem perto. Estou na minha hora de almoço.

Ela não me olhava. Parecia entretida com algum acontecimento a nossa frente. Mas era educada. E eu não tinha mais medo.

_ Eu também trabalho aqui por perto. Adoro esse lugar para descansar o pensamento.

_ De fato, é um lugar muito agradável.

_ Posso dizer uma coisa?

_ Pode sim.

_ Você é uma mulher muito bonita. Tem um jeito encantador.

Achei que a terra fosse me engolir. Achei também que ela me daria um chute e sairia correndo. Ou simplesmente me ignorasse. Meu coração disparou de tal forma, que achei que ele realmente sairia pela boca.

_ Você acha é?

_ Sim, mas me desculpe, não quero parecer atrevido, nem nada do tipo.

_Pelo contrário, você é um homem muito gentil.

Ela se virou para mim, finalmente.

_ Posso te ver também?

_ Sim...

Fiquei sem entender, desconsertado, até que ela levantou seus óculos escuros e notei, agora os olhando bem de perto, um profundo vazio, um abismo. Ela não me focava.

_ Com licença, sim?

_ Toda...

Ela então me tocou, seus dedos gelados, finos e macios como na minha imaginação. Fechei meus olhos e senti seu toque que era tão delicado, quase carinhoso. Eles percorreram pacientemente meu queixo, minhas bochechas, meu nariz estranho, o contorno dos meus olhos, minha testa, minhas marcas de expressão. Senti que ela não tocava minha pele e a estudava, mas sim a minha alma.

Abri os olhos e a vi sorrindo. Agora sim, agora sim ela era linda. Antes, aquela mulher que me obcecou, sim, era bonita, mas aquele sorriso a transformou e a iluminou.

_ Você também é um homem bonito, não? É uma pena, porém, que eu não possa ver a cor dos seus olhos...

Segurei-lhe amavelmente as mãos. Ela retribui, deixando-as entre os meus dedos.

_ São azuis. Azuis da cor do céu.



....

Do pseudo-livro Vendem-se Histórias de Amor.


Até a próxima.

1 comentários:

kita_kunn disse...

Muito lindo! PARABÉNS!!!!