30.5.12

Algo Diferente




Algo diferente

_ Vamos fazer uma loucura?
Quando se deu por si novamente, já ouvia a buzina à porta de casa. Levantou-se em corpo e consciência, colocou a pequena mochila nas costas e partiu.
Chovia, garoa pesada, daquelas que você crê que não molha nada, mas quando olha suas roupas, estão salpicadas por muitos pontinhos brilhantes e gelados. Apressou então o passo e entrou no veículo. Sua primeira impressão foi do perfume doce e floral que o envolveu de pronto e em seguida seus olhos também foram capturados pela criaturinha ousada ao volante. A cor de seus cabelos incendiava seu rosto paradoxalmente infantil e sensual. Todavia, não era a beleza que o atraia: era sua força e vitalidade. Dois imãs.
Vários quilômetros foram rodados, entremeados por conversas quase formais. Havia aquela estranha tensão entre os dois, só contornada por um inesgotável bom humor. Entre um espaço de silêncio desconfortável e outro, ele admirava a paisagem, que tinha a beleza imóvel dos dias frios e melancólicos. Contudo, aquela vista não o deixava entristecido, mas acalmava seu corpo que se encontrava possuído por uma ansiedade febril que tornava quase que impossível a tarefa de se manter sentado pacientemente. Ela, impassível, mantinha o bom ritmo da conversa, dirigindo atenta e tranquilamente.
_ Que tal aqui?
_ Tem uma cara boa. Será que é caro?
_ Olha lá; eu fico aqui de pilota de fuga.
Não agradados pelas condições, andaram um pouco mais.
_ Ali, olha, ali!
_ Hum... parece ideal. Vamos.
_ Rápido, antes que fiquemos encharcados!
_ Não tem problema, tomamos algo quente...
_Tipo um banho?
_ Eu ia sugerir um chá, mas um banho deve servir...
Sorriram-se com cumplicidade.

Entraram no minúsculo e rústico quarto do hotelzinho. Colocaram suas poucas bagagens em cima da cama de casal, que pelo menos, era espaçosa e tinha ares de confortável.
Ele se jogou em seguida para testá-la. A jovem foi checar as condições do banheiro.
_ A cama é ótima! Será bem útil...
_ O banheiro também serve. Não é o mais limpo e confortável e talvez tenhamos um banho não tão quente como gostaríamos...
A voz dela parecia vir de longe, muito longe. O dia morria através das cortinas empoeiradas, deixando todo o quarto mergulhado em uma penumbra mortiça. A chuva diminuíra e só se escutava um restinho caindo dos telhados. Aquele cenário lhe pareceu extremamente sensual. Sentiu os pelos da nuca arrepiarem pela expectativa. Então ela surgiu, apoiada no batente da porta do banheiro, aquele sorriso quase tímido no rosto. Deu alguns passos em direção ao centro do quarto, deslizando pela escuridão crescente. Ele levantou, enlouquecido por aquele momento. Puxou-a pela cintura, para bem perto dele e começou a beijá-la intensamente, apertando-a contra ele com força. Ela retribuía, entregue, solícita. Quando já estavam quase sem ar, em meio a beijos sôfregos que ele praticamente impunha a ela, o rapaz começou a tirar a blusa. Ela o afastou de leve, com muita delicadeza e esperou o ar voltar um pouco. Tornou a se aproximar e segurou em sua cintura, mantendo aquele olhar firme e terno. Aproximou-se de seu ouvido:
_Vamos com calma... hoje não temos pressa, certo?
E o beijou com carinho, mas aquele beijo delicado o deixava ainda mais excitado. Sentia-se tão inexperiente perto dela, que teve medo, outrora, de que chegassem a aquele momento. Na verdade, o que lhe preocupava era a segurança e a tranquilidade com que ela lidava com tudo aquilo. Ele se sentia um pouco como um adolescente à mercê de hormônios e ela parecia mesmo que com aquele jeito quase submisso, conduzia toda a situação, com elegância. Sentia que ela poderia fazer dele o que bem entendesse. Contudo, naquela altura do campeonato, tanto fazia.
As mãos macias e pequenas daquela jovem escorregavam pelas costas dele, fazendo com que cada fio de cabelo de seu corpo se eriçasse, os suspiros profundos que vez em quando ela soltava perto de seus ouvidos eram lancinantes. Ele tentava se segurar, para não jogá-la contra a cama com violência, ainda mais quando seus dedos deslizavam em seu couro cabeludo, vigorosamente. Ele, então, sem desgrudar seus lábios dos dela, a puxou, agora com mais suavidade, em direção à cama e se sentou, deixando-a  apoiada em seu corpo e, com um pouco de autocontrole, levantou a blusa da jovem delicadamente. A pele estava gelada ao toque. Achou que fosse se derreter em êxtase; a última coisa que viu, antes da escuridão os engolir por completo foi que ela o olhava de maneira diferente. Por um momento, parou tudo que estava fazendo e pensando para olhar bem para aquele rosto semiobscurecido pelas sombras: sua mandíbula tremia de leve. E não era de frio. Em seus olhos também jurou ter visto um lampejo daquilo: era medo. Sorriu, satisfeito quando algo mexeu dentro de seu peito. Estavam na mesma sintonia. Puxou mais uma vez o corpo dela para si e foram cobertos pela noite.

Quando finalmente voltou a pensar direito, as luzes estavam acessas e seus olhos se abriam com dificuldade. O espaço onde ela deveria estar na cama encontrava-se vazio ao tato.
_ Ei, bela adormecida. Dormiu bem?
_ Bela adormecida é o ca...
Ela estava sentada à pequena mesa de canto, com uma taça de vinho tinto entre os dedos.  Os cabelos estavam bagunçados e caiam em seus ombros muito brancos, quase nus. Aquela imagem fez seu corpo acabar de despertar.
_Quer?
_Por favor.
A jovem lhe entregou uma taça e voltou a se sentar, distante. Ele não questionou e tentou apreciar o vinho. Tinha um gosto refinado que combinava com ela.
_De onde surgiu tudo isso?
_Trouxe em minha mala mágica.
_O que mais tem nela?
_Oh, algumas coisas ainda. É cedo.
Sorriram-se, com muito mais cumplicidade que há poucas horas.
_Você é do tipo de mulher que todo cara quer, né?
_Hahaha, na teoria sim...
Seu riso era ligeiramente amargo. Como se aquilo fosse algum tipo de ironia cruel.
_Como é que...
_ Eu estou sozinha ainda?
_É.
_ Responda você.
_ É diferente... são as circunstâncias...
_Eu sei. Vai me jurar que quando as circunstâncias mudarem, estaremos juntos para todo o sempre?
Ele engoliu seco. Que cilada!
_ É brincadeira, meu querido. O que nós temos é diferente, não é?
_ É sim..
Calaram-se. Aquele desconforto. Aqueles assuntos que não deveriam ser permitidos. Mas já havia começado. E como juntar os cacos de um vidro já partido?
_ O que você quer de mim?
_ Mais...
_ Não, é sério. O que você quer de mim? Você disse para eu jurar...
_Você não faria nada isso.
_ E por que não?
_ Você não quer me enganar. E nem precisa.
_ Mas isso é o que eu quero ou não quero. Eu perguntei o que você quer.
_ E isso interessa?
_ Sim, é lógico.
_ Por quê?
Ele a chamou com um gesto. Ela deixou a taça sobre a mesa e se dirigiu relutante para a cama. Tentou manter-se distante, mas ele a puxou para si com força. Demorou-se olhando para ela. Ali estava, mais claro que nunca: medo.
_ Você tem medo de se machucar?
_ Não...
_ Então... do que você tem medo?
_ Eu não sei o que quero da vida, sinceramente. Normalmente eu sei, mas... agora eu tenho essa coisa dentro de mim, irrequieta.
_ Você tem medo de... errar?
_ Não.
_ Do que então?
_ Eu não quero ser injusta. Não quero enganar ninguém. Eu não posso.
_ Por que não pode?
_ Porque eu me ser recuso a ser cruel com alguém que gosto...
_ Nós temos algo diferente mesmo, não é? E é bom...
_ Sim, temos... é bom sim. Como este momento...
_Podemos então...
_ Apague as luzes.
 Riram-se, enquanto se embrenhavam naquela noite que não deveria ter fim.

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